A Europa gera quase 7 milhões de toneladas de resíduos têxteis anualmente. Um número assombroso, que é sempre a linha de partida para qualquer discussão sobre a circularidade do setor, um conceito que há muito deixou de ser apenas um desejo para ter que se tornar uma necessidade. No entanto, se a problemática já está bem identificada, sabendo-se que mais de 70% dos resíduos têxteis gerados na Europa podem ser transformados em fibras recicladas, mas a questão central permanece: estará a Europa a criar condições para que o setor têxtil transite verdadeiramente para um modelo sustentável, circular e competitivo? A mesma Europa que erradamente no passado usou o setor têxtil como moeda de troca, ao ponto de a mesma se tornar descartável.
O recente anúncio da “Parceria Europeia para os Têxteis do Futuro”, sob o programa Horizonte Europa, veio reacender a esperança de que a inovação e a circularidade possam finalmente deixar de ser um discurso polido para se tornar uma realidade concreta. Sinceramente, espero que ainda se vá a tempo! E que se esteja perante um verdadeiro ponto de viragem e não numa mais institucionalização do déjà vu. Sob a gestão da Plataforma Tecnológica Europeia para o Futuro dos Têxteis e Vestuário (Textile ETP), e com 30 milhões de euros na carteira, este consórcio promete alavancar a investigação, novos modelos de negócio e a transição digital no setor, com um foco reforçado na tão almejada autonomia industrial europeia.
Contudo, há uma questão que ninguém parece querer abordar frontalmente no meio da euforia toda do anuncio de tão “grande feito”, que parece vir remediar os erros do passado de não terem dado a devida importância a um setor que ainda emprega 1.3 milhões pessoas na europa. De que forma este investimento garantirá que as soluções criadas sejam realmente aplicáveis a toda a cadeia de valor têxtil e não apenas a um nicho de empresas com acesso facilitado a fundos? Como garantir que as PMEs, que representam a espinha dorsal da indústria europeia e portuguesa, e que estão diariamente no “terreno” a lutar e fazer acontecer a mudança consigam acompanhar esta transição e beneficiar do seu impacto positivo?
Historicamente, muitas das iniciativas europeias na área dos têxteis e da sustentabilidade têm ficado aquém do impacto prometido. Os fundos sucedem-se, os projetos multiplicam-se, e as palavras-chave – sustentabilidade, circularidade, inovação – ganham protagonismo. No entanto, o fosso entre a inovação e a escalabilidade continua grande, dando a sensação que a ligação não foi devidamente assegurada ficando a impressão que muitos projetos foram lindos exercícios académicos, sem impacto real na indústria. O discurso é entusiasmante e defendo-o acerrimamente: “inovação é a ponte entre a sustentabilidade e a competitividade”. Mas pensando friamente – já foi anunciado e feito tanta coisa, será que agora é que vai ser? Mas algumas agendas do PRR não foram desenhadas para isto mesmo?
A integração da economia circular não se faz apenas com financiamentos para investigação e desenvolvimento. Precisa de uma abordagem holística que inclua infraestrutura, políticas de incentivo ao mercado secundário de materiais reciclados e legislação que empurre toda a indústria para a mudança. Se a Parceria Europeia para os Têxteis do Futuro pretende ser um verdadeiro motor de transformação, precisa de garantir que os seus efeitos cheguem a toda a cadeia de valor e que o conceito de sustentabilidade não seja reduzido a uma simples ferramenta de marketing.
O verdadeiro teste desta parceria e se será um compromisso real com a reindustrialização sustentável será perceber se, daqui a alguns anos, podemos olhar para os números do desperdício têxtil na Europa e ver uma redução significativa, e ver uma menor dependência de matérias primas de países cujas as práticas ambientais e laborais ficam aquém das exigências mínimas europeias. Ou se continuaremos a não aproveitar os resíduos têxteis que se gerarão, apenas com relatórios mais bonitos a acompanhá-los.
A transição do setor não pode ser um monólogo de quem tem acesso aos fundos, mas sim um compromisso e diálogo que inclua todas as peças da indústria. E peço que este consórcio venha tecer o futuro com novos fios, e que não seja apenas mais um remendo. Só assim poderemos transformar potencial em impacto real.