As misteriosas dunas em forma de crescente, conhecidas como barchans, são muito mais do que simples montes de areia moldados pelo vento. Encontradas na Terra, em Marte e noutros corpos celestes, estas formações guardam pistas sobre os ventos, os climas e até a história geológica dos planetas. Mas há um grande desafio: compreender como cada grão de areia se move e interage com o fluxo do ar ou da água — algo praticamente impossível de medir diretamente.
Agora, uma equipa de investigadores desenvolveu uma solução engenhosa: usar inteligência artificial para “ver” forças invisíveis a partir de imagens. O estudo combina experiências em laboratório, simulações numéricas e redes neuronais profundas (CNNs, do inglês Convolutional Neural Networks), demonstrando que é possível estimar as forças que atuam sobre os grãos de uma duna apenas observando as suas imagens.
Um problema de escala gigantesca
Cada duna eólica — como as que cobrem desertos na Terra ou o solo de Marte — é composta por quadrilhões de grãos de areia. Medir as forças que atuam em cada um deles seria uma tarefa impossível, mesmo com sensores minúsculos. Para contornar o problema, os cientistas recorrem frequentemente a experiências subaquáticas, em que dunas em miniatura se formam em canais de água. Estas são cerca de mil vezes menores e evoluem muito mais depressa, permitindo observar em minutos o que na natureza demoraria anos ou séculos.
Com o auxílio de câmaras de alta velocidade, os investigadores registaram a formação e o movimento dessas pequenas dunas aquáticas. Paralelamente, recorreram a simulações computacionais detalhadas, capazes de calcular a força exata que atua sobre cada grão.
A inteligência artificial que “aprende” física pelas imagens
Com esses dados, a equipa treinou uma rede neuronal convolucional — um tipo de inteligência artificial especialmente apto para reconhecer padrões visuais — para relacionar a forma visível da duna com as forças que atuam sobre os seus grãos. Em vez de resolver equações físicas complexas, a rede aprendeu por exemplo: “quando a duna tem esta forma e estas sombras, as forças são provavelmente assim”.
Surpreendentemente, o sistema conseguiu prever com elevada precisão as forças atuantes em novas dunas, incluindo casos que nunca tinham sido mostrados durante o treino. Nas experiências, as previsões da IA coincidiram com os resultados de simulações de alta fidelidade, que serviram como “verdade de referência”.
Do laboratório à superfície de Marte
Embora o método tenha sido desenvolvido em ambiente controlado e com dunas subaquáticas, os investigadores acreditam que a mesma abordagem pode ser aplicada a imagens de satélite. Isto significa que, no futuro, poderá ser possível estimar forças de vento, erosão ou pressão sobre rochas e estruturas em Marte — ou até sobre edifícios e infraestruturas humanas na Terra — simplesmente analisando fotografias.
“Assim como o modelo digital de terreno permitiu medir relevos a partir de imagens aéreas, este novo método pode permitir medir forças invisíveis a partir de imagens superficiais”, explicam os autores. A técnica poderá ainda ser usada para estudar a estabilidade de rovers em Marte, o desgaste de infraestruturas humanas em desertos ou os efeitos da erosão em paisagens naturais.
Um novo olhar sobre o planeta — e além dele
O estudo representa um salto conceptual na forma de observar processos geológicos e ambientais. Ao transformar imagens em informação física, os cientistas abrem caminho para analisar fenómenos que antes eram impossíveis de medir diretamente.
Mais do que uma ferramenta de investigação, esta inovação poderá tornar-se essencial para monitorizar a Terra e outros planetas, compreender a evolução de dunas e desertos, e antecipar alterações ambientais.
Ainda será necessário aperfeiçoar o método antes de o aplicar em missões espaciais ou observações orbitais, mas o potencial é imenso. Como concluem os investigadores, “um dia, poderemos calcular as forças que moldam Marte apenas a partir de imagens captadas do espaço”.
Este texto foi escrito com base neste estudo.


