Esta iguaria tradicional portuguesa, enfrenta uma escassez alarmante, com preços a variar entre 100 e 180 euros por exemplar, devido à diminuição de 80% da sua área de distribuição na Península Ibérica, desde 2020
A sustentabilidade nem sempre se mede em pegadas de carbono ou certificações verdes. Às vezes, mede-se pelo tamanho da conta no restaurante. E ao preço que está, a única lampreia que podemos ver será num documentário da National Geographic.
Ah, a lampreia! Esse prato que provoca suspiros de satisfação em alguns e caras de estranheza em outros. Independentemente das preferências, uma coisa é certa: a lampreia está a tornar-se uma raridade nos nossos rios e também nas mesas dos comensais.
Uma iguaria tradicional da gastronomia portuguesa, tem-se tornado cada vez mais rara e dispendiosa. A temporada de 2025 iniciou-se com uma escassez bastante significativa, levando os preços a atingirem valores quase proibitivos, entre 100 e 180 euros por exemplar. Preços que fazem qualquer um engolir em seco!
Nunca se viu ano assim, referem pescadores e ougados por este ciclóstomo pré-histórico, que bem pode acabar por se tornar apenas uma memória gastronómica. Ambos de mãos na cabeça!
Quem ainda se consegue sentar à mesa para a saborear terá sempre uma história para contar. Fala-se do tempo em que era acessível, de como alguns as viam a saltar rios acima, de como os pescadores parecem pertencer a um cartel – ou, para os mais efusivos, a uma máfia bem organizada e silenciosa. Mas será mesmo? Ou estarão eles também do lado das vítimas?
As causas desta escassez são múltiplas e complexas. Esta diminuição acentuada das populações de lampreia nos rios portugueses tem vindo a ocorrer de forma acentuada desde 2014, e é atribuída a vários fatores. Especialistas, como Pedro Raposo de Almeida, diretor do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE), apontam para o impacto das alterações climáticas e a degradação dos ecossistemas fluviais, poluição dos rios e a construção de barragens como causas principais. Estima-se que, desde 2020, a lampreia tenha perdido cerca de 80% da sua área de distribuição na Península Ibérica. Aliás, alerta que “alguma coisa está a acontecer no mar. Tem havido cada vez menos retorno de animais.”
Há rios em Portugal que basicamente já não tem lampreia marinha. O rio Douro e Guadiana são um perfeito exemplo disso.
Para mitigar esta crise e promover a sustentabilidade da espécie, é urgente adotar medidas que garantam a sua preservação e dos ecossistemas fluviais. A translocação manual, que consiste em transportar as lampreias para áreas onde possam desovar é uma das estratégias propostas. Mesmo com lampreias a 100 euros e precisarmos de fazer isto com umas centenas largas de animais poderá não chegar, sem os rios limpos e sem corredores de migração bem definidos e construídos.
Uma coisa é certa! A lampreia está a desaparecer, e com ela, uma tradição gastronómica secular. Já para não falar dos festivais dedicados a este ciclóstomo promovidos por diversas zonas do nosso país.
O cenário é preocupante e desafiador, e como apreciador desta iguaria prefiro manter uma certa esperança, mesmo sabendo que só daqui a 7 a 10 anos, se começarem a fazer alguma coisa pela espécie. Porque assim a natureza o definiu: são cinco anos de água doce e dois anos no mar. Não há volta a dar!
Por isso, hoje não vos dou nenhuma solução, porque não conheço mas faço um pedido a quem possa ter em mãos a responsabilidade de preservar este animal e as tradições gastronómicas seculares. Olhem pelas lampreias e os restantes animais que estão a desaparecer, porque estão a olhar também pelo futuro das comunidades que dela dependem e da manutenção de muitos convívios anuais. Porque se nada se fizer, as lampreias poderão tornar-se um prato de museu, e responderemos com um silencio agridoce, quando nos perguntarem: “lembras-te de um bom arroz de lampreia?”