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Teresa Cotrim

Abacate, o fruto com 7500 anos de história e que escolheu o Algarve para prosperar

João Bento Inácio conta-nos que há abacateiros com mais de 60 anos nesta zona do país e fala-nos do sucesso desta cultura — amada por uns e odiada por outros

O abacate não fazia parte do seu cardápio alimentar, mas João Bento Inácio, aprendeu a gostar e já não abdica deste fruto ao seu pequeno-almoço. “Gosto de barrar a torrada com abacate amassado e também é delicioso com ovos”, revela o CEO do JBI Group, um consórcio de empresas dedicadas à produção de abacate, amoras e framboesa, na região do Algarve. A verdade é que este fruto já fazia parte da ementa alimentar das comunidades antigas da América Central e do Sul. Um estudo publicado este mês na Proceeding of National Academy Of Sciences (PNAS) fornece as primeiras evidências diretas de que os humanos já o tinham “domesticado” há 7500 anos.

Esta conclusão resulta da análise de restos de plantas encontradas no abrigo rochoso El Gigante, nas Honduras onde foram achados milhares de fósseis de abacate, incluindo caroços e fragmentos de casca. Segundo a Antropologia.net ao rastrear cuidadosamente as mudanças do seu tamanho e estrutura ao longo do tempo, os investigadores reconstruiram uma imagem detalhada de como os humanos moldaram a fruta muito antes de existir uma agricultura de larga escala. “Parece que os agricultores já selecionavam características específicas para produzir frutos maiores e com a casca mais grossa, preparando-o para o abacate amanteigado e rico em nutrientes que conhecemos hoje”, explica a mesma publicação.

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Foto: JBI Group

João Bento Inácio, diz que Portugal tem atualmente uma das melhores variedades do fruto. E, apesar de ter começado a aventura de plantar abacate apenas em 2014 — estava mais centrado nas hortícolas, afiança que esta não é uma cultura recente no nosso país. Há dados que dizem que foi introduzida na mesma época do milho, mas só começou a ter uma produção mais significativa no século XX. “Há abacateiros no Algarve com mais de 60 anos”, enumera e diz que as alterações climáticas, apesar de serem nefastas para o planeta, no caso dos abacateiros funcionam como uma mais-valia porque gostam de temperaturas mais quentes, com pouca amplitude térmica, nomeadamente durante a noite. “Se arrefecer muito, o frio pode afetar a planta diminuindo a sua produtividade ou mesmo matá-la, isto porque é muito sensível a geadas, por exemplo”, explica.  Em Portugal podemos encontrar a cultura do abacate, segundo dados do INE de 2022, no Algarve (94%), Alentejo (1%), na ilha da Madeira (3%) e em Grândola (1%), mais concretamente na Comporta. 

E apesar de ser uma planta que precisa de água, e por isso, tem gerado muita celeuma, principalmente na região algarvia devido à escassez que se pode viver nesta zona do país, João Bento Inácio afiança que “um abacateiro consome mais ou menos a quantidade de água de um pomar de citrinos e que a planta não aguenta encharcamento sendo produzida em camalhões, por isso, os agricultores portugueses utilizam todas as tecnologias de uso eficiente da água, gerindo muito bem o processo. O consumo de água típico de um abacateiro do Algarve ronda os 6000m3 em anos secos, podendo até ser inferior em alguns casos e nos húmidos — caso deste ano, ronda os 4000 m3”. O CEO explica ainda que o sistema radicular do abacateiro só absorve água quando a temperatura do solo se situa entre os 15-16ºC, sendo fundamental o agricultor dotar as culturas com sondas de temperatura e humidade para conseguir gerir com sucesso a sua cultura.

Será o fruto da moda?

É uma cultura que une agricultores. A concorrência vem de fora do país. Na Europa só se produz abacate em Portugal, Espanha, Grécia, França e na ilha Sicília, em Itália. Na Península Ibérica, as campanhas coincidem, sendo Espanha, dentro da Europa a maior produtora, colocando-se na quarta posição na quantidade exportada. “A nossa produção fica pronta nos meses de dezembro a abril e tem havido felizmente mais procura do que oferta”.  É uma cultura que não requer muita mão de obra (com exceção da época da colheita). O abacate é o único produto agrícola que, nos últimos anos, tem subido de preço médio pago à produção, talvez por estar associado a benefícios para a saúde e utilizado em dietas alternativas. Para quem tem curiosidade, o investimento inicial para o seu plantio ronda os 30 mil euros por hectare, um valor que já inclui as sondas para acompanhar e gerir a água.

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Foto: GBI Group

O seu consumo aumentou 180%, na Europa, nos últimos 10 anos. Um artigo da revista Agriterra explica que “a América do Sul produz num ciclo contrário. A grande concorrente é a Colômbia que produz ao mesmo tempo que a Península Ibérica e tem aumentado a área de produção. Depois, o Chile e o Peru têm ciclos contrários ao nosso, tal como a República Dominicana, assim como o México, o maior produtor mundial”. Outros países que também produzem esta fruta, mas em menor escala, são Indonésia, Quénia, Brasil, China e Haiti.

Neste momento, a produção da JBI Group ronda as 2500 toneladas, contudo com a junção da produção de mais dois sócios, juntos chegam às 5000 toneladas. Desta fatia 10% é para o mercado interno, sendo que João Bento Inácio conta que pretendem chegar aos 20%, 25% este ano e durante 2026. O resto vai para exportação.

“O abacate nacional é excelente porque as plantas são escolhidas. São plantadas com uma altura entre 50 cm e 70 cm e ainda que estas possam atingir até seis, sete metros de altura…em Marrocos chegam aos 12 metros, mas no caso do Algarve não as deixamos crescer tanto, isto porque quanto mais pequenas são as árvores, além de facilitarem a colheita, acabam por produzir frutos maiores”, informa e explica: “a mãe tem de despender menos esforços para alimentar os filhos, ou seja, gasta menos energia para fazer chegar a seiva ao frutos. Além disso, quando os abacates atingem um determinado patamar – e ainda estão verdes, caem. É um pouco como se a progenitora lhes tivesse a dizer: — está na hora de saíres de casa e dar lugar aos teus irmãos mais novos”, compara. 

A verdade é que o método nacional parece equiparar-se aos dos “fazendeiros” indígenas mencionados no estudo do PNAS citado acima. Também eles selecionavam os abacates maiores e com a casca mais grossa. Segundo Doug Kennet, da Universidade de Santa Barbara, antropólogo e autor do estudo citado num artigo publicado pela própria instituição de ensino no seu site “estas características intencionalmente selecionadas promoveram o uso generalizado do abacate na América Central e do Sul, o que preparou a sua importância económica global até hoje”.

Este estudo aprofunda a compreensão da arboricultura antiga, ao mesmo tempo que sugere implicações significativas para a biodiversidade agora — e no futuro. “Os restos de abacate de El Gigante têm também o potencial de fornecer uma fonte importantes de informação genética no contexto das mudanças climáticas”, refere o artigo da universidade. A mesma fonte acrescenta ainda que hoje cerca de 90% da indústria do abacate é dominada por uma única variedade — abacate Hass, havendo, por isso, preocupações sobre a sua vulnerabilidade a doenças e mudanças climáticas.

O CEO da JBI Group diz que o abacate produzido no Algarve quase não tem pragas nem doenças. Orgulha-se ainda de parte da produção algarvia ser sustentável. “É Zerya. Ou seja, não tem pesticidas, nem herbicidas, nem inseticidas”. Além disso, “recrutaram” 400 ovelhas para combater os infestantes dentro dos pomares e várias colmeias para fazer a polinização. “A nossa espécie de abacate é hermafrodita na floração. Tem os dois sexos. De manhã é feminino e passadas três, quatro horas muda para o sexo masculino. Os polinizadores depois fazem o resto”, explica. O vento também ajuda, mas tem de ser suave porque o abacate é muito sensível. 

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