#PorUmMundoMelhor

Teresa Cotrim

Entrevista: “Se a madeira de um violino tem uma datação posterior a 1737, não pode ter sido construído por Stradivari”, diz Cristina Nabais

As árvores encerram dentro de si uma sabedoria ancestral. Cada árvore conta uma história e conhece mais do passado da Terra do que se pensa. Através dos seus anéis pode-se aceder a todo um novo mundo. Do nascimento até à morte, as árvores guardam no seu interior uma espécie de disco rígido onde vão gravando todos os eventos da sua vida, desde incêndios, furacões, inundações, explosões vulcânicas, secas, fomes, datação de quadros, ou inclusive de instrumentos musicais de grandes compositores. São uma enciclopédia com a memória bem viva guardada religiosamente nos seus anéis.

A disciplina que os estuda chama-se dendrocronologia. Dendro de árvore, cronos de tempo e logia, de estudo. E dentro desta ciência cabem muitos ramos. Podem estudar-se os anéis para ver como o clima afetou o planeta, para reconstruir antigos ecossistemas florestais, ou mesmo para estudar arte. Para nos explicar mais sobre o mundo fascinante destas “senhoras dos anéis”, o Sustentix falou com Cristina Nabais, Professora Associada do Departamento de Ciência da Vida da Universidade de Coimbra.

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A disciplina que estuda os anéis das árvores chama-se dendrocronologia e consegue medir a sua idade e ver os acontecimentos através das linhas marcadas como mostra a foto acima

O que se consegue saber através destes anéis?

Os anéis de crescimento podem fornecer muitas informações. Através da sua medição obtemos uma curva de crescimento em que se salientam os anos em que as árvores cresceram mais e os em que as árvores cresceram menos. Se temos várias árvores de um mesmo local, e se apresentam padrões de crescimento similares, ou seja, nos mesmos anos as árvores crescem menos, e outros anos, as árvores crescem mais, isso indica que o crescimento está a ser controlado pelas condições climáticas.

Comparado com registos meteorológicos é possível determinar quais os parâmetros climáticos que influenciam mais o crescimento. Precipitação de inverno? Temperatura da primavera?

Esta relação entre o crescimento dos anéis e o clima permite fazer reconstrução climática. Há espécies que podem atingir 400-500 anos, por exemplo, alguns carvalhos. A rede de estações meteorológicas apenas começou a ter uma maior cobertura territorial a partir dos anos 40-50 do século XX, ou seja, temos ainda um registo instrumental relativamente curto. As árvores podem ajudar a reconstruir o clima, além dos registos meteorológicos. Esta informação é fundamental para a climatologia, para perceberem muito melhor as dinâmicas climáticas da Terra. E a informação dos anéis tem uma resolução anual.

E quando há incêndios com a morte da árvore ainda é possível analisar os anéis?

Quando as árvores sofrem o impacto do fogo, e que não leva à morte da árvore, algumas partes do câmbio vascular morrem, mas outras partes do câmbio vascular continuam vivas. Isto leva a um crescimento anómalo, com o registo de uma marca de fogo nos anéis de crescimento. Com base nos anéis de crescimento é também possível fazer a reconstrução dos fogos, em que anos houve fogos.

E as pragas de insetos destroem os anéis?

Em anos em que há um crescimento grande de algumas pragas de insetos que se alimentam das folhas das árvores, isso também deixa uma marca nos anéis de crescimento, com a formação de anéis menos densos. O que acontece é que a árvore apresenta uma redução da sua capacidade de fotossíntese, ou seja, de captação de carbono, e os anéis de crescimento são formados com menos carbono.

Há mais aplicações da dendrocronologia?

Outra aplicação da dendrocronologia é a datação de madeiras históricas e arqueológicas. Pode por exemplo ser utilizado para a datação de quadros e instrumentos musicais. Por exemplo, sabe-se que o construtor de violinos Antonio Stradivari morreu em 1737. Se a madeira de um violino tem uma datação posterior a 1737, não pode ter sido construído por Stradivari. Quando fazemos amostragens em árvores vivas, sabemos qual o ano que corresponde ao último anel. Por exemplo, se eu fizer a amostragem de uma árvore no final de 2025, o último anel corresponde ao anel de 2025. Com madeiras históricas e arqueológicas, não sabemos qual o ano de corte. Para fazer a datação destas madeiras é necessário cruzar os padrões de crescimento das madeiras que queremos datar, com padrões de crescimento de cronologias de referência, que estão datadas. Trata-se de um processo estatístico de cruzamento de padrões de crescimento. Existem muitas cronologias de referência na Europa, o que permite também determinar qual a região de proveniência provável das madeiras, ou seja, onde o ajustamento dos padrões de crescimento é melhor.

Em Portugal há laboratórios de dendrocronologia?

Em Portugal, que eu saiba há dois laboratórios de dendrocronologia, o da Universidade de Coimbra, associado ao Centro de Ecologia Funcional, e o da Universidade de Lisboa, associado ao Instituto Superior de Agronomia.


Há uma ciência específica para estudar os anéis. – dendrocronologia…e cada uma tem um ramo, ou seja para obter dados climáticos, para ver como o clima afetou as sociedade humanas, a que reconstrói antigos ecossistemas florestais…

No sul da Alemanha, e no norte da Irlanda existem as dendrocronologias mais extensas da Europa, baseadas em madeira de carvalho, e  tem 10 000 anos. Não é difícil de perceber a importância que estas cronologias longas têm para os estudos do clima. Envio em anexo um artigo que faz a relação entre a reconstrução climática para o centro da Europa baseada em anéis de crescimento, e a história humana.


É possível saber a idade da árvore através dos anéis?

Para uma estimativa grosseira da idade das árvores, basta contar os anéis, em que cada anel corresponde a 1 ano de crescimento. Mas para certificar que estamos a identificar corretamente os anéis de crescimento, tem de se fazer a datação cruzada, ou seja, o cruzamento de padrões de crescimento entre indivíduos diferentes. Imagine que há um ano que é muito mau para o crescimento, pode haver alguns indivíduos que não formam um anel de crescimento, falta-lhes 1 ano. Por isso, é necessário fazer a amostragem de vários indivíduos.


Os anéis só podem ser estudados quando a árvore é abatida e morre? Ou há forma de o fazer com a árvore viva? E se sim, como se faz?

Para a maior parte dos estudos de dendrocronologia, o que se recolhe é um cilindro de madeira com uma verruma. Naturalmente que se faz uma ferida na árvore mas não é causa de morte. Quando há cortes de árvores, os laboratórios de dendrocronologia aproveitam para recolher amostras, neste caso, rodelas inteiras.

Que histórias podem contar as árvores? Tem algumas giras que possa partilhar?

As árvores podem contar histórias sobre as condições climáticas do passado, que anos, ou épocas, foram de privação ou abundância. Walt Whitman viu nas árvores os professores mais sábios, e Hermann Hesse encontrou nelas um antídoto para a tristeza da nossa própria efemeridade.

A possibilidade de datação de madeiras históricas e arqueológicas é fascinante porque também permite a interação com historiadores, arqueólogos e historiadores de arte. E cada área tem as suas fontes de informação, a dendrocronologia permite adicionar mais informações a um objeto de arte, a um local arqueológico. Recentemente, estamos a colaborar num projeto artístico que implica a datação do tampo de uma guitarra feita de espruce (género Picea). A dendrocronologia indica que a madeira é posterior a 1775, século XVIII, cruzando com cronologias da Alemanha e Suiça. No entanto, o estilo da guitarra indica que o estilo de instrumento apenas surge algumas décadas mais tarde. A madeira foi guardada vários anos antes de ser utilizada? O cruzamento de informações de várias áreas levanta questões muito interessantes sobre a história dos objetos. 

Qual a importância dos anéis para a biodiversidade?

Os anéis de crescimento, ao armazenarem memórias das condições do passado, como o clima, ocorrência de fogos, pragas de insetos, fornecem informações sobre as condições prevalecentes em determinados anos. Anos particularmente adversos, podem ter um impacto na biodiversidade. De alguma forma os anéis de crescimento ajudam a reconstruir a história de um local.


Algo mais que deseje acrescentar.

Aproveito para referir que o referido projeto artístico que envolve a datação da guitarra vai ter associado um espetáculo em que a guitarra vai ser protagonista.

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Cristina Nabais, Professora Associada do Departamento de Ciência da Vida da Universidade de Coimbra.

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