Um grupo de investigadores da Universidade Técnica da Dinamarca e da Universidade de Copenhaga recuperou uma tradição quase esquecida dos Balcãs e da Turquia: fazer iogurte com formigas. O estudo, publicado a 3 de outubro na revista científica iScience (Cell Press), mostra que os ácidos, enzimas e bactérias presentes nestes insetos podem desencadear a fermentação do leite, transformando-o em iogurte.
“Hoje em dia, a maioria dos iogurtes é produzida apenas com duas estirpes bacterianas. Mas nas receitas tradicionais existe uma biodiversidade muito maior, que varia consoante o local, a família ou até a estação do ano. Isso traduz-se em mais sabores, texturas e personalidade”, explica a investigadora Leonie Jahn, autora sénior do estudo.

Amostra colhida em trabalho de campo com iogurte de formigas na Bulgária, incluindo iogurte e formigas da floresta local.Crédito: David Zilber
Uma receita passada de geração em geração
A técnica foi documentada na Bulgária, onde a antropóloga Sevgi Mutlu Sirakova levou os cientistas à aldeia da sua família. Ali, moradores mais velhos ainda se lembram do método: colocar algumas formigas vivas num frasco de leite morno e deixá-lo a fermentar durante a noite, muitas vezes enterrado num formigueiro.
Os investigadores seguiram as instruções locais e, na manhã seguinte, o leite já apresentava sinais de espessamento e acidez — um iogurte em fase inicial. O sabor foi descrito como levemente ácido, herbáceo e com notas de gordura de pasto.
O papel das formigas

Investigadores enterram um pote de leite coberto com gaze e colocado numa colónia de formigas vermelhas para incubar, seguindo um método tradicional em que formigas e seus micróbios ajudam a fermentar laticínios e transformá-los em iogurte.Crédito:David Zilber
De volta ao laboratório, a equipa analisou o processo. As formigas da espécie Formica transportam bactérias produtoras de ácido láctico e acético, fundamentais para coagular o leite. Além disso, o ácido fórmico — uma substância defensiva das formigas — acidifica o ambiente, favorecendo o crescimento de microrganismos típicos do iogurte.
Testes mostraram que apenas formigas vivas eram capazes de gerar a comunidade microbiana certa para a fermentação. No entanto, os cientistas alertam para cuidados de segurança: as formigas podem transportar parasitas, e as versões congeladas ou desidratadas podem permitir a proliferação de bactérias nocivas.
Da tradição à alta cozinha
Para explorar o potencial gastronómico, os investigadores colaboraram com o restaurante Alchemist, em Copenhaga (duas estrelas Michelin). Os chefs criaram sobremesas e bebidas inspiradas no iogurte de formiga, incluindo gelados em forma de inseto, queijos cremosos de sabor intenso e cocktails clarificados com leite.
“Mostrar que estas tradições têm fundamento científico e um propósito profundo, mesmo que à primeira vista pareçam estranhas, é algo muito bonito”, afirma Jahn.

Já Veronica Sinotte, autora principal, acrescenta: “Espero que as pessoas reconheçam a importância da comunidade e passem a escutar com mais atenção quando uma avó partilha uma receita aparentemente insólita. Manter vivas estas práticas é também preservar o património biocultural da alimentação.”
Os investigadores experimentaram os primeiros testes de iogurte de formiga, onde o leite começou a coagular e acidificar, o que são sinais de fermentação precoce do iogurte. Crédito:David Zilber


