A 62.ª sessão dos Órgãos Subsidiários da Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (SB 62) começou esta segunda-feira (16) no Centro Mundial de Conferências de Bona (WCCB), na Alemanha.
A reunião, que se prolonga até ao dia 26, é a primeira ronda presencial do ano para negociações globais sobre o tema e definirá quais os debates que deverão prevalecer em novembro, na 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP30), em Belém, no Brasil.
A agenda, que decorre anualmente em Bona, é um momento de partilha e actualização científica, tecnológica e de fomento à construção de consensos que viabilizem a acção climática. Num trabalho intenso em encontros regionais e técnicos, a liderança brasileira – que conduzirá as negociações climáticas a partir de novembro – tem trabalhado na construção de uma agenda centrada na implementação.
Segundo Míriam Garcia, gestora de Políticas Climáticas do WRI-Brasil (instituição ambiental de investigação sem fins lucrativos) e integrante da delegação brasileira em Bona, o primeiro desafio a ser enfrentado no ambiente multilateral é a reconstrução de um clima de confiança.
“A conferência em Baku [COP29] terminou mais de um dia depois do previsto, cerca de 30 horas após o esperado, com momentos de grande tensão, com algumas delegações a abandonarem a sala no último minuto e a possibilidade de não conseguirmos aprovar a NCQG, que é a meta de financiamento. Isso deixou marcas no processo multilateral”, recorda à Agência Brasil.
Míriam destaca que a visão brasileira para a COP30 tem sido bem recebida pela comunidade internacional, vista como altamente qualificada e inovadora, como demonstra a criação do “dia zero”, realizado no domingo (15), antes do início oficial da agenda.
A proposta, divulgada pelo presidente designado da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, numa das cartas da visão brasileira, convidou os chefes de delegações para uma reunião com o objectivo de reconstruir este ambiente de confiança.
“O processo de negociação só avança se existir confiança. Quem está a negociar precisa de saber – posso ceder aqui e não ali. Isso faz parte do jogo. Mas é necessário confiar que, se eu ceder aqui, o outro também estará disposto a fazer concessões, para que possamos avançar juntos”, explica a gestora à Agência Brasil.
Prioridades
Na carta, a delegação brasileira foi também orientada a priorizar três temas: a construção de indicadores para medir o Objectivo Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês); a implementação dos resultados do Balanço Global (GST, na sigla em inglês); e o Programa de Trabalho para uma Transição Justa (JTWP, na sigla em inglês).
“São duas semanas realmente muito intensas, e uma das preocupações do Brasil este ano é sair destas duas semanas com processos mais avançados, de modo que, no início da COP30, já existam decisões tomadas e se evitem bloqueios em processos mais difíceis”, afirma Alexandre Prado, líder em Alterações Climáticas do WWF-Brasil.
De acordo com Prado, que também integra a delegação brasileira em Bona, o Ministério das Relações Exteriores identificou 48 temas que serão tratados ao longo da convenção, com aprofundamentos que se desdobram em dezenas de outros assuntos ligados à acção climática.
O primeiro relatório do Balanço Global, concluído em 2023, é um dos tópicos em destaque. Como instrumento do Acordo de Paris para avaliar os esforços dos países no combate às alterações climáticas, mostrou a dimensão do desafio, mas também apontou caminhos para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 ºC.
O desafio agora é manter os países comprometidos com os objectivos assumidos para que esses caminhos possam ser percorridos.
“Então, como esses vários compromissos – de financiamento, de transição energética, de eliminação dos combustíveis fósseis, de fim do desmatamento e da degradação florestal até 2030 – vão ser implementados por todos os países, é o que vamos acompanhar com mais atenção nestas duas semanas, em Bona”, salienta Prado.
Como representante da sociedade civil organizada, o especialista considera que a Conferência de Bona já deverá dar indicações sobre a participação efectiva deste segmento nas negociações. “Como as últimas três COPs foram realizadas em países que não são considerados democracias – Egipto, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão –, este ano há uma grande expectativa de mobilização e envolvimento social. Isso também já se sente aqui em Bona”, afirma Prado.
O tema da adaptação tem sido apresentado pelo Brasil como pilar central para a COP30, segundo Míriam Garcia. É um tema com vários desdobramentos, como a Meta Global de Adaptação, os indicadores de progresso dos compromissos assumidos e o desenvolvimento de Planos Nacionais de Adaptação (NAPs, na sigla em inglês).
Transição justa
Desde a COP27, em 2022, o Programa de Trabalho para uma Transição Justa (JTWP) tem sido debatido com o objectivo de construir compromissos para um desenvolvimento global que cumpra os objectivos do Acordo de Paris de forma justa e equitativa. Esta é a primeira vez que o tema é abordado de forma tão abrangente, envolvendo aspectos como questões socioeconómicas, força de trabalho e produção de energia.
“Este foi um dos temas em que não houve avanços em Baku [COP29], e a presidência brasileira decidiu priorizá-lo, entendendo que é um conceito muito relevante e que traduz bem uma das prioridades do processo negocial, ao aproximar a agenda climática da vida real das pessoas”, sublinha Míriam.
Emissões
Na mais importante das reuniões pré-COP, será também possível acompanhar o progresso na elaboração e apresentação das actualizações das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês). Apesar de o Brasil ter sido o segundo país a apresentar as suas metas para redução de gases com efeito de estufa, ainda em 2024, tem também procurado incentivar os restantes países a apresentarem os seus planos nacionais.
O prazo inicial, previsto para fevereiro de 2025, foi alargado até setembro, mas a janela de oportunidade para estabilizar o aquecimento global em 1,5 ºC em relação à era pré-industrial vai-se reduzindo com o tempo. O próprio Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) alerta para a necessidade de reduzir em 57% as emissões actuais de gases com efeito de estufa até 2035.
Para Míriam, os motivos dos atrasos são múltiplos e variam de país para país. Fatores como as tensões geopolíticas afectam mais os países do Norte Global, com os orçamentos públicos a serem canalizados para a segurança, em vez da agenda climática. Já os países mais pequenos enfrentam desafios como equipas técnicas reduzidas para elaborar as NDCs.
A especialista acredita que o ambiente multilateral fragilizado também influencia. “Não há dúvida de que isso tem um impacto, mas a construção das NDCs é também um processo de política interna. É um compromisso internacional que um país assume, mas a sua elaboração é uma decisão de política doméstica”, explica.
Actualmente, 22 países entregaram as suas actualizações de NDCs, incluindo os Estados Unidos, antes de anunciarem a saída do Acordo de Paris. Juntos, representam apenas 21% das emissões globais, segundo a plataforma Climate Watch, do WRI.
Para Alexandre Prado, a demora não é necessariamente um problema, se esse tempo estiver a ser usado para construir metas compatíveis com as emissões globais.
“A China, maior emissor mundial, já deu sinais de que vai apresentar uma NDC robusta. Os 20 países mais ricos – o G20 –, que são praticamente os maiores emissores, estão a sinalizar que também irão apresentar compromissos sólidos. É claro que, somando todos esses compromissos, não se atinge ainda o objectivo principal do Acordo de Paris, que é limitar o aquecimento global a 1,5 ºC, por isso é essencial manter a pressão”, reforça.
Texto gentilmente cedido pela Agência Brasil