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Como e quando foram domesticados os gatos

A domesticação dos gatos é um processo que tem gerado fascínio e curiosidade ao longo dos anos, especialmente pela sua estreita relação com os seres humanos desde tempos antigos. Embora muitos acreditem que os felinos tenham sido domesticados há milhares de anos, novas investigações arqueológicas sugerem que esse fenómeno foi muito mais recente do que se imaginava.

Apesar da longa associação dos gatos domésticos (Felis catus) com os humanos, o momento e as circunstâncias da sua domesticação e chegada à Europa ainda são pouco claros. Acreditava-se que a domesticação do gato selvagem africano (Felis lybica), seu ancestral, tenha ocorrido com o surgimento da agricultura, quando gatos foram atraídos pelas comunidades humanas devido à abundância de roedores, mas pode não ser bem assim.

Há controvérsias sobre quando chegaram à Europa: alguns defendem que foi no Neolítico, enquanto outros atribuem essa disseminação aos romanos. Para esclarecer estas questões, investigadores realizaram análises zooarqueológicas, identificação genética e datações por radiocarbono e publicaram os resultados no estudo Redefining the timing and circumstances of cat domestication, their dispersal trajectories, and the extirpation of European wildcats, bioRxiv, do Cold Spring Harbor Laboratory.

Descobriram que as relações entre humanos e gatos eram mais complexas do que se pensava e estavam ligadas também a associações religiosas. Os resultados sugerem que gatos domésticos chegaram à Europa antes da expansão romana, no início do primeiro milénio a.C., e que novas populações de gatos, com assinaturas genéticas distintas, foram introduzidas durante os períodos Romano, Tardo-Antigo e Viking.

Além disso, ao mapear a distribuição dos gatos domésticos e dos gatos selvagens europeus (Felis silvestris), os autores propõem que a introdução de gatos domésticos contribuiu para o declínio das populações nativas de gatos selvagens.

O estudo enfrentou dificuldades, como a escassez de ossos de gatos antigos (já que os gatos faziam muitas vezes parte do cardápio alimentar) e a dificuldade em distinguir entre gatos selvagens e domésticos apenas pela aparência. A genética mostrou que sinais antes atribuídos a gatos domésticos podiam também ocorrer em gatos selvagens europeus devido a cruzamentos antigos.

A investigação aponta que a domesticação dos gatos não ocorreu durante o Neolítico, como anteriormente sugerido, mas sim no primeiro milénio a.C., provavelmente no Egito. Este período foi crucial não apenas para a adaptação dos gatos ao convívio com os seres humanos, mas também para o seu papel religioso na sociedade egípcia. A deusa Bastet, uma das principais figuras femininas da mitologia egípcia, foi associada aos gatos. Inicialmente representada com cabeça de leão, Bastet passou a ser representada com cabeça de gato a partir do século IX a VII a.C., refletindo uma transformação simbólica e religiosa importante. Essa mudança coincidiu com o surgimento de rituais de sacrifício de gatos, que eram mumificados e oferecidos à deusa em grandes templos e santuários.

Este vínculo estreito entre gatos e a religião egípcia pode ter sido um fator decisivo para a domesticação dos felinos. Os gatos não apenas ajudaram a controlar populações de roedores que infestavam as áreas de cultivo, mas também adquiriram status sagrado, o que fortaleceu ainda mais o laço com os seres humanos.

Através da propagação das religiões, especialmente as associadas a deusas femininas, os gatos começaram a espalhar-se por outras regiões, chegando a outras culturas. O culto a Bastet pode ter desempenhado um papel significativo na dispersão dos gatos pela região do Mediterrâneo e além. Foram integrados também na religião grega e romana, associados às deusas Artemis e Diana, por exemplo. Durante o período romano, os gatos com linhagens genéticas específicas começaram a ser encontrados em várias partes da Europa, incluindo locais como Jordânia, Turquia e até na Polónia. Os romanos, ao conquistarem o Egito, provavelmente introduziram os gatos nas suas novas províncias, usando-os como animais de estimação e símbolos religiosos. Evidências arqueológicas indicam que, já no século IV a.C., os gatos estavam presentes na Grã-Bretanha, muito antes da chegada dos romanos à ilha

Porém, o comércio marítimo fenício e grego pode ter espalhado os gatos pelo Mediterrâneo antes da época romana, contrariando a visão tradicional de que os romanos foram os responsáveis.

Com a chegada do cristianismo, os gatos continuaram a desempenhar um papel importante nas culturas europeias, especialmente em mosteiros e instituições religiosas. No entanto, no final da Idade Média, a relação dos europeus com os gatos passou a ser mais ambígua. Começaram a ser vistos como símbolos de heresia e malignidade, frequentemente associados a bruxaria. A ligação com a figura feminina continuou, mas agora os gatos eram mais frequentemente vistos como “familiares” das bruxas, um status que reforçou o seu estigma negativo.

O cristianismo, por sua vez, não impediu que os gatos continuassem a espalhar-se, especialmente durante a Idade Média, quando se tornaram comuns em embarcações vikings e nas comunidades nórdicas. Os vikings, em particular, tinham uma forte associação religiosa com os gatos, sendo considerados animais sagrados associados à deusa Freyja, a deusa da fertilidade e da magia. Os gatos eram frequentemente encontrados em túmulos e locais de culto, e a sua presença nas embarcações vikings foi vista como uma maneira de controlar a população de roedores a bordo.

O estudo propõe que a chegada dos gatos domésticos impactou negativamente as populações de gatos selvagens europeus muito antes das grandes caças e destruição de habitats dos séculos XVIII e XIX.

Como foi feito o estudo?

Para diferenciar morfologicamente os restos de gatos selvagens europeus (Felis silvestris) e gatos selvagens africanos/domésticos (Felis lybica/catus), os investigadores analisaram 2.456 medidas de felinos antigos e modernos e compararam essas medições com identificações genéticas. Isso permitiu-lhes definir um limite de tamanho para separar as duas espécies.

Também mapearam a distribuição dos seis principais grupos mitocondriais (haplogrupos) em 350 felinos antigos da Eurásia Ocidental, com apoio de datações por radiocarbono. Durante esse processo, algumas amostras inicialmente atribuídas a períodos antigos foram reveladas, através da datação direta, como muito mais recentes.

Diferenciação entre gatos selvagens e domésticos

O famoso felino enterrado próximo a um humano em Chipre (~7500 a.C.), considerado evidência precoce de domesticação, pode na verdade ter sido um gato selvagem europeu, e não africano, conforme sugerem as medições de seus ossos.

Supostos registros de gatos africanos no Neolítico da Europa Central e Sudeste também são questionados: a maioria desses restos corresponde ao tamanho de gatos selvagens europeus, e o DNA mitocondrial africano encontrado neles provavelmente resulta de cruzamentos antigos naturais entre espécies, não de domesticação.

Há um hiato de mais de 2.500 anos entre essas possíveis presenças neolíticas e os primeiros indícios mais confiáveis de gatos domésticos na Idade do Ferro.

O caso mais antigo de um gato doméstico em contexto europeu seria o esqueleto encontrado em Fidene, perto de Roma (~1000–800 a.C.), mas as análises sugerem cautela, pois o animal era jovem e os ossos foram deformados pelo fogo.

Outro exemplo, um fragmento de mandíbula da França (Entzheim), também parece pertencer a um gato selvagem, mesmo possuindo DNA mitocondrial de origem africana.

Estudo completo aqui

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