A previsão de tempestades baseia-se tradicionalmente no estudo das condições atmosféricas, mas uma investigação inovadora que também analisa as condições da superfície terrestre deverá transformar os sistemas de alerta precoce nas regiões tropicais. Isto permitirá às comunidades adaptarem-se melhor aos impactos destrutivos das alterações climáticas.
O novo estudo, conduzido pelo UK Centre for Ecology & Hydrology (UKCEH), mostrou que um grande contraste nos níveis de humidade do solo numa extensão de centenas de quilómetros resulta em alterações atmosféricas que aumentam a área e a quantidade de precipitação em vários pontos críticos de megatempestades a nível mundial. Este aumento varia entre 10 e 30%, consoante a região e a dimensão da tempestade.
A investigação centrou-se nos sistemas convetivos de mesoescala, que provocam graves inundações repentinas e deslizamentos de lama em zonas de África, Ásia, América e Austrália que, no seu conjunto, têm uma população de quase quatro mil milhões de pessoas.
Estes sistemas meteorológicos, que podem ser maiores do que a Inglaterra e viajar centenas de quilómetros, provocam tempestades intensas que matam pessoas e gado, destruindo casas, infra-estruturas e meios de subsistência.
Impactos das alterações climáticas
O estudo, realizado pelo UKCEH, a Universidade de Leeds (Reino Unido) e o Laboratório Nacional do Noroeste do Pacífico (EUA), foi publicado na revista Nature Geoscience.
A autora principal, Emma Barton, meteorologista do UKCEH, afirmou: “Os sistemas convetivos de mesoescala são algumas das tempestades mais intensas do planeta e estão a aumentar de gravidade devido às alterações climáticas. O aumento das temperaturas poderá aumentar o contraste entre as zonas húmidas e secas dos solos, intensificando ainda mais as tempestades em regiões já gravemente afectadas.
“Compreender a forma como a humidade do solo influencia a atividade das tempestades e como esta pode mudar no futuro será essencial para uma previsão mais precisa a curto prazo, a fim de alertar as comunidades para a aproximação de tempestades, bem como para fazer projecções a longo prazo.”
Danos generalizados
No ano passado, África teve a pior época de tempestades dos últimos anos. Entre junho e setembro, graves inundações na África Ocidental e Central, associadas a fortes chuvas, mataram mais de 1000 pessoas, desalojaram mais de 500 000 e destruíram mais de 300 000 casas.
Na Argentina, em março de 2025, uma forte tempestade matou 13 pessoas, desalojou mais de 1 000, arrastou carros e destruiu estradas e pontes.
Em Bengala, na Índia, em março de 2024, uma tempestade danificou cerca de 800 casas, feriu 300 pessoas e matou cinco.
Melhorar os avisos
O novo estudo envolveu uma análise detalhada de 20 anos de dados de satélite relativos à atividade das tempestades e às condições de humidade do solo na África Ocidental, na África Austral, na Índia e na América do Sul, bem como modelização informática.
Os investigadores descobriram que as condições à superfície que influenciam a precipitação podem ser observadas dois a cinco dias antes da ocorrência de uma tempestade, o que permitirá um aviso prévio de potenciais inundações repentinas.
O aviso prévio permite que as pessoas se desloquem, bem como as suas famílias, gado, veículos e bens, para zonas mais altas, ou que desobstruam os esgotos antes das tempestades para limitar as inundações de águas superficiais, por exemplo.
O novo estudo faz parte da investigação em curso no UKCEH, financiada pelo Natural Environment Research Council (NERC). Um estudo anterior revelou que as condições da superfície terrestre afectam frequentemente a direção e a intensidade das megatempestades no Sahel após a sua formação, enquanto um outro estudo mostrou que a desflorestação aumenta a frequência das tempestades em algumas cidades costeiras africanas de crescimento rápido.
Repensar a previsão
“Os meteorologistas tendem a concentrar-se nas condições atmosféricas para prever os padrões climáticos. Mas, tal como demonstrado por um número crescente de provas, devemos também ter em conta o que se passa à superfície da terra para melhorar as previsões”, afirmou a coautora do estudo, Cornelia Klein, meteorologista do UKCEH.
Os autores do estudo explicam que um maior contraste de humidade entre as zonas mais húmidas e as mais secas a uma grande distância resulta num maior contraste das temperaturas do ar, o que leva a mudanças mais fortes na direção e/ou velocidade do vento à medida que se sobe na atmosfera. Esta turbulência ajuda as tempestades a crescer, produzindo mais precipitação numa área maior.
Além da sua análise na África Ocidental e Austral, na Índia e na América do Sul, os investigadores observaram a mesma relação entre os contrastes de humidade do solo e as circulações do vento na China, na Austrália e nas Grandes Planícies dos EUA. Assim, embora os dados sobre tempestades fossem insuficientes para efetuar uma análise completa, os investigadores estão confiantes de que os contrastes de humidade do solo também estão a agravar a precipitação noutras regiões afectadas por sistemas convetivos de mesoescala.
Desenvolver ferramentas exatas
O próximo passo dos investigadores é explorar os fatores que contribuem para estas variações regionais. Estão também a utilizar os modelos climáticos mais recentes e avançados, que incorporam melhor as tempestades, para melhorar a compreensão dos processos que tornam a precipitação mais intensa à medida que as temperaturas continuam a aumentar com o aquecimento global.
As ferramentas de software informático que estão a ser desenvolvidas pelo UKCEH permitem às agências meteorológicas gerar previsões mais fiáveis.