Estudo de Durham e Liverpool mostra que as primeiras comunidades agrícolas eram estáveis, inclusivas e com mulheres mais propensas a migrar entre aldeias.
Uma análise química a dentes com mais de 10 mil anos está a revelar detalhes inéditos sobre a vida nas primeiras aldeias agrícolas da humanidade. A investigação, liderada pelas universidades de Durham e Liverpool (Reino Unido), analisou dentes de 71 indivíduos do período Neolítico, entre 11.600 e 7.500 anos, provenientes de cinco sítios arqueológicos na atual Síria.
Os investigadores examinaram as assinaturas isotópicas de estrôncio e oxigénio presentes no esmalte dentário — uma técnica que permite determinar se uma pessoa cresceu localmente ou se se deslocou de outra região. Com base nesses dados, a equipa conseguiu reconstruir padrões de mobilidade até agora invisíveis nas primeiras sociedades sedentárias.

Um dos sepultamentos encontrados no sítio neolítico de Tell Halula, na Síria.Crédito: Grupo de Pesquisa em Arqueologia do Mediterrâneo e do Próximo Oriente (GRAMPO), Seminário de Arqueologia Pré-histórica do Próximo Oriente (SAPPO)
Comunidades estáveis e acolhedoras
Os resultados, publicados na revista Nature Scientific Reports, mostram que, uma vez estabelecidas as aldeias permanentes, a maioria das pessoas permaneceu local, reforçando os laços com a comunidade. No entanto, havia espaço para a diversidade: indivíduos de fora eram integrados plenamente na vida social e nas práticas funerárias locais.
“Descobrimos que os aldeões tendiam a ficar nas suas comunidades, mas acolhiam de braços abertos quem vinha de fora”, explica Eva Fernandez-Dominguez, do Departamento de Arqueologia da Universidade de Durham e autora sénior do estudo. “Esses recém-chegados eram tratados da mesma forma, tanto em vida como na morte, o que revela uma notável abertura social para a época.”
Mulheres em movimento
Um dos achados mais curiosos é que, no final do Neolítico, as mulheres parecem ter-se deslocado mais do que os homens. Esta tendência sugere a prática de tradições patrilocais, em que as mulheres deixavam as suas aldeias natais para formar famílias noutros locais, enquanto os homens permaneciam nas suas comunidades de origem.
“Esta mobilidade feminina pode ter sido uma forma de evitar a consanguinidade entre comunidades vizinhas”, refere a investigadora.
Para a primeira autora do estudo, Jo-Hannah Plug, atualmente na Universidade de Oxford, esta descoberta mostra o papel crucial das mulheres nas redes sociais e culturais da época.“O nosso estudo fornece as primeiras provas diretas de mobilidade humana nesta região”, explica. “As mulheres parecem ter desempenhado um papel central na criação de redes de contacto e na disseminação de inovações entre comunidades neolíticas.”
Inclusão até na morte
Em sítios como Tell Halula, foram encontradas camadas de restos humanos enterrados sob o piso das casas. A análise revelou que, frequentemente, locais e não-locais eram sepultados juntos, recebendo tratamentos funerários idênticos, incluindo posições sentadas e objetos elaborados. Este padrão repetia-se noutros locais, sugerindo que a mobilidade não excluía a integração social.
Uma nova janela sobre o passado
A investigação, financiada pela The Leverhulme Trust, demonstra como técnicas científicas modernas, como a análise isotópica, podem revolucionar o conhecimento sobre a vida social há milhares de anos. Além disso, o estudo ajuda a preencher uma importante lacuna sobre o Norte do Levante, uma região-chave para a disseminação da agricultura e das primeiras sociedades sedentárias.
“Pela primeira vez conseguimos ver como a mobilidade e as ligações sociais moldaram as comunidades agrícolas mais antigas do mundo”, conclui Fernandez-Dominguez.


