Já imaginou uma árvore que, além de produzir folhas e frutos, também se transforma… em pedra? Pode parecer ficção científica, mas é ciência e bem real. Investigadores do Quénia, Estados Unidos, Áustria e Suíça descobriram que certas espécies de figueiras conseguem retirar dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera e armazená-lo sob a forma de carbonato de cálcio – o mesmo mineral que se encontra no giz e no calcário. Ou seja, estas árvores criam “pedras” dentro dos seus troncos e no solo que as rodeia!
O segredo está num caminho mineral curioso
Este processo chama-se via do oxalato-carbonato. Como é sabido, todas as árvores fazem fotossíntese e transformam CO₂ em carbono orgânico, formando assim troncos, folhas e raízes. Mas algumas espécies, como estas figueiras quenianas, vão mais além: produzem cristais de oxalato de cálcio, que, ao decomporem-se, são convertidos por microrganismos em carbonato de cálcio. O resultado? Carbono inorgânico armazenado de forma duradoura no solo – muito mais estável do que o carbono orgânico.
Árvores com superpoderes naturais
A equipa internacional – composta por cientistas da Universidade de Zurique, Nairobi Technical University, Sadhana Forest, Lawrence Berkeley National Laboratory, UC Davis e Universidade de Neuchâtel – estudou três espécies de figueiras na região de Samburu, no norte do Quénia. Com a ajuda de tecnologia de ponta, incluindo análises feitas com radiação de sincrotrão em Stanford, descobriram que o carbonato de cálcio se forma tanto na superfície como no interior profundo da madeira.
Entre as espécies analisadas, a figueira Ficus wakefieldii destacou-se como a mais eficaz no sequestro de CO₂ através deste processo. Agora planeiam avaliar a adequação da figueira para a agrofloresta, quantificando as suas necessidades hídricas e a produção de frutos, e realizando uma análise mais detalhada da quantidade de CO₂ que pode ser sequestrado em diferentes condições.
“É mais fácil identificar carbonato de cálcio em ambientes mais secos”, explicou Rowley. “No entanto, mesmo em ambientes mais húmidos, o carbono ainda pode ser sequestrado. Até o momento, inúmeras espécies de árvores foram identificadas capazes de formar carbonato de cálcio. Mas acreditamos que existam muitas outras. Isso significa que a via oxalato-carbonato pode ser uma oportunidade significativa e pouco explorada para ajudar a mitigar as emissões de CO2 à medida que plantamos árvores para fins florestais ou frutíferos.”
Árvores que limpam o ar e alimentam
O próximo passo da investigação será avaliar se estas figueiras podem ser integradas em sistemas agroflorestais, ou seja, práticas agrícolas que combinam cultivo de alimentos com árvores. Os cientistas querem entender melhor os requisitos hídricos da espécie, a sua produtividade em termos de frutos e a quantidade de carbono que consegue sequestrar em diferentes condições. Caso se revele adequada, esta figueira poderá ser uma aliada poderosa na luta contra as alterações climáticas – ao mesmo tempo que produz alimentos.
Um potencial ainda pouco explorado
A via do oxalato-carbonato foi observada pela primeira vez na árvore tropical Iroko (Milicia excelsa), capaz de armazenar até uma tonelada de carbonato de cálcio ao longo da vida. Com mais espécies a revelarem esta capacidade, os investigadores acreditam que há muitas outras árvores com este potencial ainda por descobrir.
Segundo Mike Rowley, da Universidade de Zurique, se estamos a plantar árvores para capturar carbono e produzir alimentos, por que não escolher aquelas que também armazenam carbono inorgânico, de forma mais duradoura?”
Esta investigação foi apresentada na Goldschmidt Conference, o maior congresso mundial de geoquímica, que decorre este ano em Praga, de 6 a 11 de julho, com cerca de 4000 participantes de todo o mundo.
Algumas figueiras não se limitam a dar sombra e figos – também podem transformar o ar em pedra. Literalmente.