O diploma que flexibiliza a reclassificação do solo rústico em urbano, para habitação, entra em vigor 30 dias após a publicação, em 30 de dezembro, mas a norma com exceções à suspensão de áreas urbanizáveis já produz efeitos
O decreto-lei que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), que simplifica a reclassificação do solo rústico em urbano, destinado à construção de habitação, por deliberação dos órgãos municipais, estabelece que entra “em vigor 30 dias após” a sua publicação, no Diário da República de 30 de dezembro, mas o artigo 199.º produziu efeitos “no dia seguinte à publicação”.
No diploma refere-se que, tendo em conta que em 31 de dezembro “finda o prazo para a integração das regras de qualificação e classificação do solo nos planos municipais e intermunicipais de ordenamento do território”, embora se mantenha aquele prazo, “possibilita-se a realização de operações urbanísticas cuja finalidade seja habitacional ou conexa”.
O RJIGT previa, no seu artigo 199.º, que os municípios procedessem, até 31 de dezembro de 2024, à revisão ou alteração dos planos diretores municipais (PDM) ou intermunicipais para os adequar às regras de classificação e qualificação do solo, sob pena de suspensão das normas relativas às áreas urbanizáveis ou de urbanização programada inseridas nos planos territoriais em vigor.
A medida decorre da publicação, em 2014, da lei de bases dos solos, que distinguiu entre terrenos rústicos e urbanos, acabando com a classificação de urbanizável ou de urbanização programada, que deviam ser revistos ou alterados nos planos municipais de acordo com as suas características.
Os prazos para essa revisão foram sendo prorrogados, e a mais recente alteração ao RJIGT mantém o limite de 31 de dezembro passado, mas introduz várias exceções à suspensão automática das normas do plano territorial que deveriam ter sido alteradas, “não podendo, nessa área e enquanto durar a suspensão, haver lugar à prática de quaisquer atos ou operações que impliquem a ocupação, uso e transformação do solo, sob pena de nulidade”.
No entanto, o novo diploma prevê que a suspensão “não se aplica às áreas urbanizáveis ou de urbanização programada que tenham adquirido, entretanto as características de solo urbano nos termos do presente decreto-lei” e do decreto regulamentar de 2015, “ou até ao termo do prazo para execução das obras de urbanização que tenha sido definido em plano de pormenor, por contrato de urbanização ou por ato administrativo de controlo prévio”.
A eficácia destas exceções “depende de declaração emitida pela câmara municipal com a identificação e delimitação das áreas”, a transmitir à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) respetiva, devidamente fundamentada, e “sujeita a publicação, publicitação e depósito” nos termos previstos para as alterações aos planos territoriais.
A suspensão das normas também “não impede a realização das operações urbanísticas em áreas urbanizáveis ou de urbanização programada cuja finalidade seja habitacional ou conexa”, mediante o procedimento de reclassificação do solo para estas finalidades.
O diploma determina ainda que a CCDR identifica “as disposições objeto de suspensão, ouvido o município”, que pode, “no prazo de 30 dias, demonstrar que o incumprimento decorreu de motivo que não lhe é imputável”.
No parecer a uma proposta de decreto-lei de alteração ao RJIGT, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) referiu que, em novembro, reiterou “com redobrada urgência e preocupação, a necessidade de, com o Governo, Direção-Geral do Território e CCDR, “ponderarem e aprofundarem soluções de compromisso, justas e de bom senso, mas também responsabilizantes, que valorizem o sistema de planeamento, designadamente, acautelando a questão dos efeitos da suspensão automática das áreas urbanizáveis dos PDM”.
Para a ANMP, manter “um prazo ordenatório, generalista e universal, não constitui uma solução adequada, devendo ser abandonada”, pois num território distinto e diversidade de resposta, “este tipo de opção só adensa patologias, desigualdade e, no limite, propicia irregularidades”.
A alteração ao RJIGT apresenta-se, assim, nesta matéria como “uma evolução importante”, que “espera-se, flexibilizará as possibilidades de intervenção nestas áreas – urbanizáveis e de urbanização programada”.
Numa análise ao novo diploma, a Ordem dos Arquitetos considerou que a suspensão “obriga a uma maior responsabilização por parte dos municípios na gestão do território”, mas que as exceções permitem “alguma flexibilidade e adequação, nomeadamente às políticas de habitação”.
Para a organização, se o novo diploma permitir reclassificar o solo para urbano, isso “faz sentido” para habitação, “pois se estava classificado como urbanizado ou de urbanização programada, a possibilidade de estar inserido em REN [Reserva Ecológica Nacional] ou em RAN [Reserva Agrícola Nacional] é quase nula”.
A arquiteta Helena Roseta, uma das vozes críticas da recente alteração ao RJIGT, salientou que o diploma foi publicado “na véspera do prazo [para a suspensão automática] acabar”, e considerou que “não é normal” a exceção prevista.
Em resultado da promulgação do decreto-lei por Marcelo Rebelo de Sousa, a antiga deputada e autarca pelo PSD e PS comentou que “o Presidente chamou-lhe uma entorse”, mas “a verdade é que entorse foi com tudo o que lá estava dentro”.
Helena Roseta notou que o pedido de reapreciação parlamentar do diploma pelo BE, PCP, Livre e PAN só terá efeito imediato com a revogação, e que eventuais alterações ao documento, como defende o PS, necessitam de ser apreciadas na especialidade e não impedirão a sua entrada em vigor, pelo que a decisão “está na mão dos deputados”.