Na sequência dos incêndios florestais catastróficos de 2021 na Austrália Ocidental, um grupo de investigadores lançou uma iniciativa notável: instalar “hotéis para abelhas” em áreas afetadas pelo fogo com o objetivo de apoiar a recuperação de abelhas nativas que nidificam em cavidades.
Estes hotéis, feitos com materiais simples como madeira e bambu, foram colocados estrategicamente em parques nacionais e reservas, e monitorizados semanalmente por cientistas cidadãos. O resultado? Uma história inspiradora de recuperação ecológica — e uma solução simples que pode ser replicada em todo o mundo.
Por que razão as abelhas nativas precisam de ajuda após incêndios?
As abelhas nativas australianas, muitas das quais nidificam em cavidades como buracos em madeira, são essenciais para a polinização de plantas autóctones. Após um incêndio, as árvores mortas e outros locais de nidificação são frequentemente destruídos, deixando estas abelhas sem abrigo e sem recursos para reproduzir-se. Isso coloca em risco tanto as populações de abelhas como as plantas que dependem delas para a polinização.
Embora muito se invista na recuperação da flora após incêndios, raramente se considera a necessidade dos seus polinizadores. Sem abelhas, muitas plantas não conseguem completar o seu ciclo de vida. Assim, ajudar as abelhas é, indiretamente, ajudar toda a floresta a recuperar.
O que são hotéis para abelhas e como funcionam?
Os hotéis para abelhas são estruturas artificiais que imitam cavidades naturais usadas por abelhas solitárias para pôr os seus ovos. No estudo conduzido no sudoeste da Austrália, os hotéis foram construídos com dois tipos principais de materiais: madeira (com buracos perfurados de vários diâmetros) e hastes de bambu ocas.
Foram instalados 100 hotéis em zonas ardidas, distribuídos por 24 locais, com 832 cavidades disponíveis para nidificação. Durante vários meses, voluntários monitorizaram semanalmente a ocupação dos ninhos.Resultados com impacto: mais de 3000 abelhas numa geração
Os dados recolhidos impressionam: todos os 100 hotéis instalados foram ocupados, com um total de 832 cavidades artificiais usadas pelas abelhas nativas. Considerando uma média de quatro células por ninho — como apontado por estudos anteriores —, estima-se que mais de 3300 abelhas nativas emergirão na geração seguinte. Isto representa um contributo significativo para a recolonização dos ecossistemas queimados.
Curiosamente, ambos os materiais — madeira e bambu — foram utilizados, com ligeiras diferenças na taxa de ocupação. Embora mais ninhos tenham sido ocupados nos hotéis de bambu em termos absolutos, proporcionalmente os de madeira tiveram maior taxa de uso. Uma hipótese é que, como os furos no bambu não foram padronizados em diâmetro, podem ter sido menos atrativos para algumas espécies. Os investigadores recomendam que estudos futuros padronizem os diâmetros e quantidades de cavidades nos diferentes materiais, para avaliar possíveis preferências.
Mais abelhas… onde havia hotéis
Outro dado importante: os locais com hotéis apresentaram muito mais abelhas do que os locais de controlo sem hotéis. A diferença foi especialmente notória no final da estação. Além disso, foi especificamente o grupo das abelhas que nidificam em cavidades a beneficiar da instalação dos hotéis — não se verificou o mesmo para abelhas que fazem ninhos no solo, nem para abelhas-do-mel.
Estes dados sustentam a ideia de que os hotéis não só ofereceram alojamento, mas também atraíram as abelhas para as zonas ardidas, contribuindo ativamente para a sua recuperação.
Plantas, flores e abelhas: uma relação vital
Um dos maiores desafios para as abelhas após o fogo é a falta de alimento. O estudo identificou que as abelhas nativas visitam quase exclusivamente flora nativa, ao contrário das abelhas-do-mel, que visitam também flores exóticas. Isso reforça a importância de proteger espécies vegetais locais, especialmente aquelas que florescem no verão e outono, quando há escassez geral de flores.
Uma das espécies mais visitadas foi a Corymbia calophylla, árvore nativa que sobreviveu ao fogo e conseguiu florir graças à sua capacidade de rebentar após incêndios. Contudo, se os incêndios forem demasiado intensos, nem mesmo estas árvores resistem, privando as abelhas de um recurso alimentar essencial. Isso demonstra como a gestão do fogo deve considerar não só a regeneração das plantas, mas também a sobrevivência dos polinizadores que delas dependem.
Concorrência indesejada: as abelhas-do-mel
O estudo reforça ainda que as abelhas europeias podem competir com as nativas por recursos escassos, como néctar e pólen. Esta competição pode reduzir o sucesso reprodutivo das abelhas nativas. Por isso, os autores recomendam que se evite a apicultura em zonas recentemente ardidas, para não comprometer a recuperação dos polinizadores autóctones.
Reutilizáveis e de manutenção fácil
Outro ponto positivo: os hotéis para abelhas são reutilizáveis, com pouca manutenção necessária. Os investigadores sugerem apenas que os ninhos usados sejam limpos com um escovilhão húmido antes da estação seguinte, para evitar doenças ou parasitas. Isto torna os hotéis uma solução sustentável a longo prazo, que pode ser gerida por guardas florestais — incluindo guardas indígenas — e por cientistas cidadãos.
Muito por investigar — mas um futuro promissor
Apesar dos resultados promissores, os investigadores sublinham que o estudo teve limitações de tempo e orçamento. Não foi possível confirmar a emergência efetiva das abelhas da geração seguinte, nem comparar com dados anteriores ao fogo. Ainda assim, os autores lembram que estudos semelhantes com o mesmo tipo de hotel demonstraram sucesso na emergência de descendência.
Também recomendam que futuros estudos incluam áreas não ardidas como comparação, e investiguem a disponibilidade de flores em cada local, algo que este estudo não conseguiu fazer por falta de pessoal.
Um dado particularmente encorajador: os níveis de ocupação dos hotéis neste estudo (23% no bambu e 44% na madeira) foram superiores aos observados em estudos urbanos anteriores na mesma região. Isso sugere que, em zonas queimadas, a escassez de cavidades naturais torna os hotéis especialmente valiosos.
Restaurar as abelhas é restaurar a floresta
O trabalho desta equipa australiana preenche uma lacuna crítica na recuperação ecológica. Até agora, a maior parte do esforço concentrou-se na regeneração da flora — mas sem polinizadores, muitas plantas não conseguem reproduzir-se.
Instalar hotéis para abelhas é uma forma simples e eficaz de promover o restabelecimento simultâneo de abelhas e plantas nativas, criando um ciclo positivo de recuperação. E, ao serem fáceis de construir e manter, podem envolver comunidades locais, voluntários e autoridades ambientais num esforço partilhado para restaurar a biodiversidade após catástrofes ambientais.