As ilhas Pitiusas, compostas por Ibiza, Formentera e os seus ilhéus, estão a assistir a uma crise ecológica sem precedentes. Estas costumavam abrigar milhares de lagartixas e lagartos endémicos, mas a introdução acidental, em 2003, da cobra-ferradura (Hemorrhois hippocrepis) — levada inadvertidamente em raízes e troncos de oliveiras ornamentais — lançou um predador voraz sobre a fauna local, segundo avança o El Pais.
Os cientistas estimam que o problema se espalhará por toda a ilha dentro de dois anos. Além do réptil ameaçado de extinção, pequenos mamíferos que controlam a proliferação de insetos estão a desaparecer.
Avanço imparável nas paisagens de Ibiza
Em apenas duas décadas, esta espécie já colonizou quase 90% de Ibiza, reduzindo os habitats de lagartixas e lagartos a apenas 30% do território, revela a mesma fonte. As ilhotas também não escapam, pois as cobras conseguem nadar até lá. Estudos recentes, segundo o El País indicam que mais de 3 000 serpentes foram capturadas via armadilhas colocadas em 2024, confirmando a contínua expansão da espécie, com 2 007 registadas em 2023 e 2 710 em 2022. Alguns indivíduos têm mais de 1,80 metros. Oriol Lapiedra, do CREAF, citado pelo El Pais, compara o avanço das cobras a “uma onda de batalha”, devorando tudo o que apanha pela frente.
Ecossistema em colapso
A cobra não se limita a alimentar-se de lagartos e lagartixas: têm sido observadas até em ilhéus remotos, nadando dezenas de metros para deleitar-se com as comunidades insulares isoladas. O jornal de Ibiza diz ainda que além das lagartixas-pitiusanos (Podarcis pityusensis), desaparecem também micromamíferos (como ratos e musaranhos), morcegos e aves pequenas (pardais, pintassilgos e verderões). Este declínio provoca uma reação em cadeia, afetando o controlo de insetos e a polinização, com impacto direto na agricultura.
Contra‑ofensiva: armadilhas e genética em cativeiro
O Diário de Ibiza revela que o investimento público no combate atingiu cerca de 1,94 milhões de euros, além da construção de um centro de recuperação de fauna que arrancará este ano em Sa Coma, Ibiza.
Num plano inovador, 17 animais saudáveis e geneticamente diversos (10 de Ibiza, 7 de Formentera) foram recolhidos e levados para o Zoo de Barcelona para reprodução em cativeiro. “O objetivo? Garantir um pool genético enquanto se criam refúgios e se prepara reintrodução futura”, revela a Voz de Ibiza.
Cenário futuro: conviver ou aceitar perdas?
Especialistas advertem que a erradicação total da cobra‑ferradura é praticamente impossível. “Estima-se um pico seguido de declínio natural à medida que a presa desapareça; o objectivo realista é reduzir densidades e promover coexistência”, adianta o El Pais.
Estas cobras não são venenosas nem perigosas para humanos, comportam-se como predadores-nas-ilhas: procuram alimento e reprodução — funções ecológicas naturais. A invasão da cobra-ferradura nas Pitiusas coloca à prova a resiliência de ecossistemas insulares. Com intervenções cada vez mais coordenadas — armadilhas, parcerias rurais, centros de recuperação e reprodução em cativeiro —, o desafio é preservar a lagartixa-pitiusa e proteger a diversidade endémica. A solução passa por vigilância contínua, apoio científico e senso de urgência política, antes que o legado natural das Pitiusas se dilua irremediavelmente.