O canto das baleias jubarte é um dos exemplos mais notáveis de um comportamento socialmente aprendido e culturalmente transmitido num animal não humano
Há muito que a linguagem é considerada um atributo exclusivamente humano, com caraterísticas que a distinguem da comunicação de todas as outras espécies. No entanto, uma investigação publicada hoje na revista Science descobriu a mesma estrutura estatística no canto das baleias jubarte
Este é um dos exemplos mais notáveis de um comportamento socialmente aprendido e culturalmente transmitido num animal não humano. O canto das baleias apresenta uma estrutura sistemática, mas, até à data, havia poucas provas de que esta fosse semelhante à da linguagem humana. Um dos grandes desafios no estudo da comunicação não-humana é descobrir quais as partes relevantes do sistema. Esta nova investigação analisou a forma como os bebés descobrem as palavras e aplicou estas descobertas a oito anos de dados sobre o canto das baleias jubarte recolhidos na Nova Caledónia.

Espectrograma da gravação do canto das baleias de 2017. Crédito: (Crédito-OperaçãoCetaces)
Os autores descobriram que o canto das baleias apresentava as mesmas propriedades estatísticas fundamentais presentes em todas as línguas humanas conhecidas. Detetaram partes recorrentes cuja frequência seguia de perto uma distribuição enviesada específica, não encontrada anteriormente em nenhum outro animal não humano. Este trabalho revela um ponto em comum profundamente inesperado entre duas espécies não relacionadas – os seres humanos e as baleias jubarte – unidas pelo facto de o seu sistema de comunicação ser transmitido culturalmente. Este facto aponta para o papel crucial da aprendizagem. Outrora considerados como a marca da singularidade humana, os aspectos fundamentais da linguagem humana podem ser partilhados por espécies evolutivamente distantes.
Ellen Garland, da Universidade de St Andrews, afirmou “A revelação desta estrutura oculta, semelhante à linguagem, no canto das baleias foi inesperada, mas sugere fortemente que este comportamento cultural contém uma visão crucial sobre a evolução da comunicação complexa no reino animal”. A investigadora diz ainda que o canto das baleias não é uma linguagem; carece de significado semântico. “Pode ser mais uma reminiscência da música humana, que também tem esta estrutura estatística, mas carece do significado expressivo encontrado na linguagem”. Na sua opinião, se as unidades que detetaram utilizando o método de inspiração infantil são importantes para as próprias baleias continua a ser uma questão em aberto.
Inbal Arnon, da Universidade Hebraica, comenta também que utilização de conhecimentos e métodos de como os bebés aprendem a linguagem permitiu-lhes descobrir estruturas anteriormente não detetadas no canto das baleias. “Este trabalho mostra como a aprendizagem e a transmissão cultural podem moldar a estrutura dos sistemas de comunicação: podemos encontrar uma estrutura estatística semelhante sempre que um comportamento sequencial complexo é transmitido culturalmente”.

Por fim, Simon Kirby, da Universidade de Edimburgo, afirma que este estudo sugere que a nossa compreensão da evolução da linguagem pode beneficiar não só da observação dos nossos parentes primatas mais próximos, mas também de casos de evolução convergente noutras partes da natureza. “Olhando além da forma como a linguagem é usada para expressar significado, devemos considerar como a linguagem é aprendida e transmitida culturalmente ao longo de várias gerações. Estas descobertas desafiam suposições há muito defendidas sobre a singularidade da linguagem humana, descobrindo pontos comuns profundos entre espécies evolutivamente distantes.”
O artigo de investigação intitulado “Whale song shows language-like statistical structure” está agora disponível na Science