Hoje, 4 de julho, assinalamos em Portugal o Dia do Profissional Têxtil. E este ano, mais do que uma data simbólica, é a prova num momento de viragem.
Trabalhei mais de duas décadas numa indústria onde o ruído das máquinas de tingir se misturava com cheiro do preto sulforoso, e com o calor resiliente das râmolas fazia pingar o suor de quem queria fazer o futuro com as mãos. Não nasci entre tinturarias e acabamentos, mas já vi o sector mudar de pele algumas vezes. Vi-o quase desaparecer, e vi-o renascer. E vejo-o a transformar num cambalear frágil. E há algo que nunca mudou: o profissional têxtil – que sempre foi o coração de toda máquina. Mas os corações também se cansam. E hoje, muitos estão exaustos ou desapareceram.
Há quem diga que estamos numa nova crise. Eu prefiro dizer que estamos perante uma transformação bilateral– do lado do consumidor e do lado de quem produz. E que exigirá muito pensamento mas, como de costume não há muito tempo para pensar. Mas a veia resiliente também me diz: ou avançamos para a transformação, ou arriscamos o desaparecimento.
Esta sexta-feira, decorrerá também o 27.º Fórum da Indústria Têxtil que reúne os rostos e as vozes que diariamente fazem a ITV acontecer. Celebram-se 60 anos de associativismo têxtil em Portugal, mas mais importante ainda, pergunta-se: que competências precisamos para ter um setor daqui a 10, 20 ou 30 anos? E quem o fará acontecer? Será que o iremos ter? Sim uma pergunta válida e que muitos hesitam em fazer com medo da resposta, porque o setor de hoje, não tem nada haver com o setor de há 20 ou 30 anos atras.
A resposta começa por onde sempre começou: nas pessoas. Não basta só celebrar os que cá estão e os que fizeram o setor o que é hoje. É urgente criar condições para os que ainda não chegaram — os que precisamos de atrair, formar e valorizar. O profissional têxtil do futuro não pode ser uma versão reciclada do passado. Precisa de falar algoritmos, entender ecossistemas, tratar a biotecnologia por tu, dominar matérias-primas de nova geração e de muitas que ainda não se inventaram. Mas acima de tudo, precisa de ser reconhecido.
Para mim , é aqui que a narrativa tem de mudar. O profissional têxtil não é um operário de linha invisível. É um solucionador de problemas, um agente da mudança, um elo vital numa cadeia de valor global que exige mais transparência, mais circularidade, mais impacto positivo. Deixar de ter sempre aquelas perguntas ou observações – então? … pois… sempre…
Hoje, o mundo exige muito mais do setor além do descarbonizar, digitalizar, inovar.
Mas o setor continua a exigir demasiado de quem o sustenta. . Podemos continuar a remendar estruturas, ou podemos, finalmente, redesenhar o tecido social da indústria.
Há dias saiu uma notícia alarmante: se não fizermos a transição verde e digital, poderemos perder até 24% das empresas têxteis e 7% dos postos de trabalho até 2050. Mas há uma linha invisível nessa previsão — e ela passa por quem está (ou não está) a liderar essa mudança.
É por isso que me parece urgente não só pensar o profissional têxtil do futuro, mas também o futuro do profissional: como será o seu papel numa indústria mais inteligente, automatizada, regenerativa, inovadora? E que tipo de liderança se exige das empresas para transformar talento em valor partilhado?
Porque a verdade é esta: o futuro da ITV não se cose com linhas antigas. Cose-se com visão, coragem e investimento no humano e não só em maquinas como foi feito em outros tempos. Cose-se com diálogo entre gerações, entre indústria e ciência, entre chão de fábrica e decisões de topo. Cose-se com novas narrativas que devolvam orgulho e propósito a quem, todos os dias, dá forma ao invisível ou de um simples esboço num papel amarrotado. Porque, pensenm… A mesma costureira que fez anos a fio a tshirt básica para se vender a preço esmagado por esse mundo fora, pode ser a mesma costureira que vai coser e produzir o próximo fato para uma próxima expedição lunar ou um fato ultra hitech para a defesa de um país em guerra. Isto não cativa? Não deveria ser esta a imagem que deveríamos passar? Que uma maquina de costura é um posto de comando cheio de tablets e gadgjets que não é qualquer um que sabe trabalhar com ela?! Como muitos possam pensar.
Enquanto sociedade, temos de decidir: queremos uma indústria têxtil viva e vibrante ou um museu de memórias? Porque o tecido industrial português só será forte se os seus profissionais forem valorizados, capacitados e cuidados.
Hoje, homenageamos os que resistem. Mas ainda hoje, devemos construir espaço para os que ousam transformar e que querem vir para o setor.
Afinal, um setor que sobreviveu à pandemia, a choques globais, à deslocalização e ao esquecimento institucional… também pode ser o setor que lidera a transição justa. Basta que não falte a fibra certa.