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O urso no tribunal: quem decide remover os ursos pardos da lista de espécies ameaçadas de extinção?

Por Kelly Dunning

A Lei das Espécies Ameaçadas de Extinção (ESA), agora com 50 anos, foi em tempos um raro farol de unidade bipartidária, assinada pelo Presidente Richard Nixon com um apoio político quase unânime. O seu objetivo era claro: proteger as espécies ameaçadas e permitir a sua recuperação utilizando para o efeito os melhores dados científicos disponíveis. No entanto, como revela o nosso estudo de caso sobre o urso-pardo no ecossistema da Grande Yellowstone, a gestão da vida selvagem ao abrigo da ESA mudou, tornando-se um campo de batalha político onde a ciência é cada vez mais abafada pela ideologia partidária, atrasos burocráticos, lutas pelo poder e interesses políticos concorrentes. A sobrevivência da ESA, uma política de vida selvagem imitada em todo o mundo, pode depender da nossa capacidade de navegar nestas águas.

@Kelly Dunning

O urso pardo, um símbolo cultural do Oeste americano, personifica esta mudança. Classificado como ameaçado em 1975, quando o seu número diminuiu para menos de 1.000 e a sua área de distribuição se reduziu em 98%, a espécie conseguiu regressar da beira do abismo. No ecossistema da Grande Yellowstone, a população ultrapassa agora os 700 indivíduos, um número que ultrapassou os objectivos de recuperação estabelecidos pela agência federal de gestão da vida selvagem responsável pela recuperação, o US Fish & Wildlife Service. De acordo com as métricas da ESA, esta é uma história de sucesso, o que significa que o urso-pardo pode ser retirado da lista. No entanto, as tentativas de remover as protecções federais em 2007 e 2017 foram anuladas pelos tribunais, não porque a ciência fosse deficiente, mas porque o processo se tornou um para-raios para interesses políticos.

O nosso estudo analisa 750 documentos e 2.832 citações de partes interessadas para acompanhar esta politização. Historicamente, a gestão da vida selvagem é o domínio estrito dos cientistas das agências do poder executivo. Estes cientistas são peritos com formação para interpretar dados científicos interdisciplinares e equilibrar as necessidades humanas e ecológicas.

O nosso trabalho mostra que, atualmente, as vozes mais dominantes pertencem a legisladores, defensores legais e organizações não governamentais (ONG) que estão cada vez mais a excluir os cientistas das agências. Senadores, políticos eleitos, como John Barrasso, do Wyoming, proclamam: “O urso-pardo está totalmente recuperado no Wyoming. Fim da história”, insistindo no controlo estatal e criticando a ESA como lenta e ultrapassada. Mas será que o podemos censurar? O Senador Barraso defende os seus eleitores do Wyoming, que colaboraram na recuperação do urso-pardo e estão agora na linha da frente dos conflitos entre humanos e animais selvagens, onde os ursos-pardos podem prejudicar o gado ou os turistas. Durante todo esse tempo, os objectivos populacionais estabelecidos pela ESA foram atingidos e a espécie continua na lista.

Entretanto, as ONG e os seus advogados, como o conhecido grupo de defesa do ambiente Earthjustice, argumentam que a retirada da lista é prematura, alegando que a “pressão política” se sobrepõe às “provas biológicas”. Os tribunais também têm exercido a sua influência, com decisões sobre o papel da conetividade genética na recuperação das populações. Os criadores de gado com conflitos crescentes com o urso pardo vêem estes desenvolvimentos científicos como atrasos intencionais na retirada da lista e não como avanços no domínio da conservação. Não há respostas fáceis.

A gestão da vida selvagem transformou-se em política

Este conflito revela uma dura realidade: a gestão da vida selvagem já não tem apenas a ver com a ciência, tem a ver com quem domina o discurso político e com o poder que o acompanha. Os legisladores vêem a retirada das espécies da lista como uma forma de recuperar a autoridade do Estado face ao que consideram ser um exagero federal. A sua retórica, impregnada de apelos populistas à comunidade pecuária do Oeste, enquadra os ursos-pardos como uma espécie recuperada, com os burocratas de Washington a atrasarem o processo de devolução da gestão aos estados.

O senador do Montana, Steve Daines, por exemplo, salienta as perdas de gado “vertiginosas” e o facto de os ursos andarem a vaguear para além da sua área de distribuição histórica. Estas questões têm eco junto dos eleitores rurais cansados do facto de a lei federal sobre a vida selvagem se sobrepor à gestão local efectuada por agências estatais de confiança. Por outro lado, as ONG e os defensores da legalidade confiam nos tribunais para manter a supervisão federal, alertando para o facto de a gestão estatal poder desencadear épocas de caça “com o dedo no gatilho” e pôr em risco a sobrevivência a longo prazo. Estes defensores argumentam que estamos a enfrentar uma crise de extinção geracional, em que cada decisão que tomamos sobre espécies ameaçadas pode aproximar-se da extinção, um caminho do qual não podemos regressar. O público, apanhado no meio, pode não ter consciência de que as conversas sobre a proteção da vida selvagem passaram dos biólogos e cientistas credenciados da agência para os políticos.

Os nossos dados sublinham esta mudança de poder. Embora os funcionários do ramo executivo, com quem residem os conhecimentos científicos, tenham outrora dominado o discurso (por exemplo, o pessoal das agências de peixes e vida selvagem a nível federal e estatal), já não são as principais vozes nas conversas sobre a recuperação da ESA. Atualmente, são os políticos eleitos que lideram o processo. A sua influência está a triplicar ao longo do tempo em comparação com as vozes das agências científicas. Entretanto, os defensores legais e as ONG estão a moldar o debate sobre a ciência da vida selvagem, sendo o seu papel amplificado pelas acções judiciais que mantêm os ursos-pardos na lista.

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