Um momento digno de telenovela subaquática deixou boquiabertos (literalmente) cientistas e entusiastas da vida marinha: duas orcas selvagens foram filmadas a partilhar um raro e carinhoso beijo debaixo de água, descrito como uma espécie de mordidela com língua entre cetáceos— aliás pode ver no vídeo abaixo.
Este vídeo é do Loro Parque, em Tenerife. Crédito: https://www.mdpi.com/2673-1924/6/2/37#app1-oceans-06-00037
Este é, no entanto, um comportamento nunca antes registado na natureza. “Vimos comportamentos semelhantes em parques aquáticos, mas esta é a primeira vez que conseguimos observar algo assim em plena natureza”, destacam os investigadores no estudo A Kiss from the Wild: Tongue Nibbling in Free-Ranging Killer Whales, publicado no jornal Ocean.
O insólito momento deu-se nas águas geladas do fiorde de Kvænangen, no norte da Noruega. A acção desenrolou-se sob a superfície, enquanto um grupo de snorkelers flutuava calmamente nas águas cristalinas.“Parecia que estavam a beijar-se de frente, como se estivessem a cumprimentar-se com um carinho muito especial”, contou um dos participantes no artigo.
O episódio, que durou quase dois minutos, foi captado em Janeiro de 2024 por um grupo de mergulhadores durante uma expedição de snorkelling nas calmas águas dos fiordes noruegueses, mais precisamente em Tverrfjorden, a norte de Jøkelfjorden às 10h40. Depois fizeram mais mergulhos em que conseguiram gravar um beijo que durou 1 minuto e 49 segundos quando o relógio batia as 11h00. No mesmo local.
O estudo diz ainda que já passaram 47 anos desde a descrição etológica original sobre este comportamento, já visto em parques aquáticos, até a ciência conseguir obter imagens comparáveis de uma população selvagem, o que “destaca a considerável dificuldade em documentar comportamentos raros ou crípticos em contextos naturais, particularmente em espécies marinhas altamente móveis, cujas interações sociais ocorrem predominantemente abaixo da superfície da água”, descrevem.

O “Beijo” captado na vida selvagem. Crédito: Ocean
Os cientistas contaram com uma ajudinha preciosa de cidadãos curiosos e bem equipados com uma GoPro Hero 11 Black – com a qual registaram este um comportamento social inédito em orcas selvagens: um momento como chamam os etólogos de “tongue-nibbling”, traduzindo para português, uma mordiscadela carinhosa nas línguas uma da outra. E não, não se trata de uma cena de um documentário romântico da National Geographic.
Mas afinal… o que é o “tongue-nibbling”?
A “mordiscadela de língua” já era conhecida dos especialistas, mas apenas em orcas em cativeiro, como nos parques zoológicos. Foi descrita pela primeira vez em 1978 por Martínez e Klinghammer, e observada em mais detalhe numa investigação de 2013 no Loro Parque, nas Canárias (vídeo acima)
Durante anos, muitos pensaram que fosse um comportamento artificial — talvez resultado do tédio ou da vida em cativeiro. Mas afinal… parece que é mesmo natural! Esta primeira observação no mar mostra que as orcas selvagens também se envolvem nestes “momentos carinhosos” debaixo de água.
Amor, amizade ou só brincadeira?
Os investigadores acreditam que o comportamento é afiliativo — ou seja, serve para fortalecer laços sociais, especialmente entre jovens. É como o equivalente cetáceo de um aperto de mão, um abraço… ou quem sabe um beijinho entre amigos. E o mais curioso: o comportamento já foi observado em orcas de diferentes origens genéticas, desde o Pacífico ao Atlântico, o que sugere que é um traço social profundamente enraizado na espécie.
As orcas (ou baleias assassinas, como também são conhecidas, embora o nome seja um pouco injusto) são animais altamente sociais, com estruturas familiares complexas e comportamentos fascinantes. Já se sabia que se envolvem em brincadeiras, vocalizações sofisticadas, banhos com algas, trazem presentes para os humanos e até fazem o luto. Mas esta interacção íntima, registada agora em liberdade, revela um novo nível de proximidade entre indivíduos.
Curiosamente, o comportamento foi observado também em belugas e golfinhos, sugerindo que estas manifestações orais de afeto podem ser uma tradição comum entre os cetáceos. Aparentemente, morder a língua de um amigo é… o novo cumprimento marinho.
Da Noruega com amor (e ciência cidadã!)
Este momento raro foi possível graças a cidadãos curiosos, bem equipados e respeitadores do espaço dos animais. Os autores do estudo — agora publicado com todos os detalhes — destacam o papel valioso do turismo responsável e da ciência cidadã na observação de comportamentos difíceis de detetar com métodos tradicionais.
Mas atenção: os investigadores deixam um alerta claro. Interagir com cetáceos deve ser feito com regras muito bem definidas, para não interferir com o comportamento natural dos animais ou causar-lhes stress.
Porque isto importa?
Este beijo é mais do que um momento caricato digno de ir parar às redes sociais. Ele mostra como ainda há muito por descobrir sobre a vida social dos gigantes dos oceanos. E, talvez mais importante, desafia ideias pré-concebidas sobre as diferenças entre animais em cativeiro e os seus primos selvagens.
No fim de contas, se uma orca selvagem e outra nascida num parque podem partilhar o mesmo comportamento carinhoso… talvez a nossa compreensão sobre a vida marinha esteja mesmo a dar um passo em frente.