#PorUmMundoMelhor

Teresa Cotrim

Conheça os cavalos-marinhos da frente ribeirinha de Almada

Há uma criatura mítica a habitar as águas da zona ribeirinha. Vivem ali há anos, mas poucos tiveram a sorte de se cruzar com eles. São os cavalos-marinhos da baía da Trafaria

Uma criatura que já galopava no imaginário dos povos da Grécia antiga. A palavra hipocampo, nome porque é conhecido deriva do grego “hippos” que significa cavalo e “Kampus” monstro marinho. Geralmente é representado com a parte de cima de um equídeo e a debaixo com uma cauda de peixe ou serpente.

O seu papel mais relevante na mitologia é a sua relação com Poseidon, o Deus dos mares, que era visto na sua carruagem a ser puxada por cavalos-marinhos. Reza a lenda que ao baterem os cascos para cavalgar pelas águas marinhas causavam tremores na terra e no mar. Eram um símbolo de força e destreza. Também acompanhavam outras divindades e ninfas, como por exemplo, as Nereidas. Eram vistos como fazendo a ligação entre o mar e a terra, personificando a relação entre o conhecido e o desconhecido. O mundano e o divino.

A verdade é que ainda hoje este peixe — em que cada olho funciona de forma independente, dando-lhe um olhar divertido, causa curiosidade e uma elevada procura, por isso, vale muito dinheiro. Só para ter uma ideia, todos os anos são capturados mundialmente 40 milhões de cavalos-marinhos. A China Continental é o maior consumidor. O mercado asiático acredita nas suas propriedades medicinais, nomeadamente por acreditarem que trata a impotência masculina e disfunção erétil, entre outras patologias.

Gonçalo Silva, Professor e Investigador MARE-NOVA e na Associação MARDIVE, diz que uns são capturados para venda ilegal, outros são colhidos por acidente devido à pesca não permitida praticada recorrendo ao arrasto de vara que pretende apanhar outras espécies, caso do choco, linguado ou camarão. O que além de os apanhar também destrói as pradarias marinhas, o habitat de fundo e as macroalgas, onde estes se agarram e criam as suas colónias. Ao rol de ameaças podem juntar-se a poluição sonora, introdução de espécies invasoras, dragagens, alterações climáticas e a expansão da alga invasora caulerpa.

Estes não são nada fáceis de avistar mesmo habitando em áreas de pouca profundidade, geralmente em zonas costeiras.  Apesar de esquivos foram descobertos na zona de Almada, entre a Trafaria e o Alfeite. Mário Rolim, que acabou por ser mais tarde o coordenador de operações de mergulho do CavALMar — projeto que resultou de um protocolo entre o Mare-ISPA e o município de Almada, foi quem ligou a Gonçalo Silva a dizer que nas águas da Trafaria havia uma comunidade de cavalos-marinhos. O biólogo foi explorar a zona e deparou-se com espécimes de 20 a 21 cm. “Observei cavalos-marinhos de focinho comprido, os Hippocampus guttulatus e cavalos-marinhos comum, o H. hippocampus. Também encontrei marinhas (Syngnathus acus), que são da mesma família, mas diferem pela morfologia alongada e locomoção na horizontal. Distribuem-se também por toda a frente ribeirinha de Almada, tendo na baía da Trafaria uma das populações mais importantes no concelho”.

A partir daqui começaram a mergulhar para fazer censos, anotando todas as espécies com que se iam cruzando. “Quando encontramos um cavalo-marinho ou marinha pegamos no animal, fotografamos, medimos, cortamos um pouco da sua barbatana para retirar uma amostra de DNA e depois libertamo-lo”, explica. A ideia é saber como está a comunidade, o habitat, o impacto do lixo marinho para melhor definir quais são as zonas mais especiais para promover a sua conservação.

“A vulnerabilidade ambiental da Frente Ribeirinha Norte do concelho de Almada, que se estende por 10 km entre a Cova do Vapor e Cacilhas, aliada à relevância das atividades socioeconómicas locais, como a pesca, tornam fundamental a existência de informação detalhada sobre as modificações sentidas nas comunidades piscícolas desta região”, explica o artigo Projeto CavAlMar – Quantos são e onde vivem os cavalos-marinhos de Almada? publicado pela CMA. Ao todo fizeram 86 mergulhos em 13 locais de parte da frente ribeirinha, desde a Cova do Vapor ao Alfeite, ao longo de mais de 70 horas debaixo de água.

cavalo marinho trafaria

A Baía da Trafaria é uma área onde se concentra o maior núcleo de pesca da zona, mas é também uma zona abrigada de correntes que serve de habitat para diversas espécies marinhas. Entre Setembro de 2022 e Julho de 2023, registaram cerca de 60 exemplares. Gonçalo Silva garante que a zona ribeirinha foi uma agradável surpresa por estar cheia de vida, garantindo que encontraram uma elevada biodiversidade ao longo da costa. Desde a Cova do vapor até à zona do Alfeite, onde se cruzaram com diferentes habitas e características distintas. Disse também que as conclusões daquele estudo são provisórias e não sabem se a população está ou não a aumentar, mas refere que as ameaças que enfrentam são várias, desde logo o lixo marinho, derrocada de pontões que lhes servem de habitat, dragagens, ruído subaquático e a pesca excessiva.

Porém, as características destas espécies como a baixa fecundidade, pouca mobilidade e distribuição dispersa tornam-nas muito suscetíveis a perturbações naturais e antropogénicas. O investigador recorda o episódio do colapso de um pontão artificial no porto de pesca em 2022. Nessa altura, tiveram de resgatar 23 cavalos marinhos e 5 marinhas que foram alojados temporariamente no Oceanário de Lisboa. Um ano depois, após o restauro do habitat foram devolvidos ao estuário do Tejo, assim como 100 marinhas que, entretanto, se reproduziram em cativeiro. (veja o vídeo da libertação abaixo).

Segundo Gonçalo Silva a construção do porto de pesca da Trafaria poderia ser uma oportunidade para a conservação. “Neste momento está coberto de lixo e mergulhar ali é inclusive perigoso”. A APA colocou em consulta pública um documento relativo à Proposta de Definição do mbito (PDA) do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do projeto Portinho de Pesca da Trafaria, na vila de Trafaria, município de Almada, mas o projeto está parado, apesar de várias entidades e pescadores já terem dado o seu parecer. Na sua opinião, era importante que os cavalos-marinhos fossem reconhecidos, até porque poderiam ser uma atração para o concelho, acreditando que a natureza pode movimentar a economia de uma determinada zona.

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Foto: Mário Rolim

Áreas marinhas em Portugal e Espanha são insuficientes

Um comunicado da LUSA, citando um estudo divulgado pelos investigadores do MARE-ISPA e publicado na revista científica Global Ecology and Conservation, diz que as áreas marinhas protegidas cobrem apenas 19-20% do habitat principal das duas espécies identificadas em Portugal (Hippocampus guttulatus e H. hippocampus), e menos de 12% na frente atlântica de Espanha. As zonas de proteção total —onde não há atividade humana, cobrem menos de 0,5% do habitat estimado para as duas espécies.”Os investigadores acreditam que estes valores são sobrestimados, uma vez que a cobertura das Áreas Marinhas Protegidas confere baixos a moderados níveis de protecção, permitindo em muitos casos o uso de redes e armadilhas de pesca, que capturam os cavalos-marinhos de forma acessória”, afirmou, em comunicado, o Instituto Universitário (ISPA).

Para Gonçalo Silva, coordenador do estudo é absolutamente fundamental criar medidas de protecção para estas espécies e dotar as Áreas Marinhas Protegidas de recursos humanos, financeiros e técnicos para que possam gerir as atividades e a biodiversidade de forma sustentável”.

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Foto: Gonçalo Silva

Legislação que protege os cavalos-marinhos

Dada a vulnerabilidade de grande parte das espécies de sígnatideos, estas têm legislação específica para a sua proteção. Foi recentemente aprovada uma nova resolução sobre a conservação de cavalos-marinhos e outros Sígnatideos (WCC-2020-Res-095), no Congresso Mundial de Conservação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Os cavalos-marinhos (Hippocampus spp.) estão incluídos na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES) e na IUCN. As duas espécies europeias de cavalos-marinhos, o H. guttulatus (Cavalo-marinho de focinho comprido) e H. hippocampus (Cavalo-marinho de focinho curto) estão abrangidas pela Convenção de Berna e pela Convenção de Barcelona para a Proteção do Ambiente Marinho e da Região Costeira do Mediterrâneo. Em Portugal, os cavalos-marinhos estão protegidos por lei para garantir a sua conservação e gestão adequada (Decreto-Lei n.º 38/2021).

O que fazer se encontrar um cavalo-marinho?

  • Aproveite esta feliz ocasião apenas para observar este fantástico animal
  • Evite tocar-lhe e não o tire da água, uma vez que são peixes muito sensíveis
  • No caso de indivíduos capturados acidentalmente, devolva-os imediatamente à água sem mais manuseio
  • Se tirar fotografias, tente fazê-lo com uma escala, mas lembre-se de não usar flash
  • Partilhe a sua observação!
  • Registe a sua observação no portal de ciência cidadã BioDiversity4All ou envie para o e-mail projeto.cavalmar@gmail.com, incluindo local do achado e, se possível, fotografias do animal.

Fonte: Camara Municipal de Almada

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Foto: Mário Rolim

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