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Sara Rego

Policrise e sustentabilidade: duas palavras que não combinam

Há quem considere 2025 a “era da policrise”, um fenómeno que representa um desafio significativo e urgente para a comunidade global. Se nunca ouviste falar deste conceito, passo a explicar. A palavra policrise resulta da junção de duas palavras: “poli” do grego “polys”(que significa muitos) e “crise” do grego “krísis”, que significa o ponto de inflexão numa situação difícil.
Policrise é um termo que tem vindo a ser usado para descrever um conjunto de crises globais económicas, sociais, ambientais e tecnológicas, que, pela sua interconectividade e complexidade, são de difícil resolução, como as que vivemos atualmente: crise climática, perda de biodiversidade, guerras e tensões geopolíticas, instabilidade económica, desigualdades sociais e por aí fora. Este conceito foi primeiramente empregue em 1999, pelos teoristas da complexidade Edgar Morin e Anne Brigitte Kern no livro “Homeland Earth”, e recuperado em 2016 pelo então Presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker.
Devido ao fenómeno da globalização e interligação dos sistemas atuais, qualquer crise que aconteça numa determinada região rapidamente se alastra com repercursões a nível global, elevando o risco de detiorização dos sistemas e degradando, consequentemente, as condições da vida humana (ex.: quando a Rússia invadiu a Ucrânia houve uma disrupção dos sistemas alimentares e energéticos globais, um aumento do investimento em armamento, exacerbamento de clivagens ideológicas internas em muitos países, entre outras consequências).
Ora, um cenário de policrise tem imensas implicações nos esforços e agenda da sustentabilidade, dado que, em vez de focarmos a nossa atenção numa resposta conjunta às crises que colocam em causa a vida no nosso planeta (incluindo a nossa), estamos dispersos e fragmentados por crises mais “imediatas” como a instabilidade geopolítica e as ameaças de guerra. Mas que implicação terá esta policrise para a sustentabilidade em 2025?
Primeiro, o aumento da pressão sobre os ecossistemas, recursos e cadeias de abastecimento. Por exemplo, a combinação das alterações climáticas e da instabilidade geopolítica (nomeadamente conflitos que afetam o abastecimento de energia) pode levar à escassez de materiais críticos, essenciais para a promoção da energia limpa e avanços tecnológicos, intensificação a competição por recursos, o que dificulta a implementação de estratégias de sustentabilidade a longo-prazo pelas empresas e governos.
Segundo, o aumento da vulnerabilidade face às alterações climáticas. Dado que as alterações climáticas são uma das causas centrais da policrise e tendo em conta que os eventos climáticos e fenómenos meteorológicos extremos estão a aumentar, haverá um maior impacto nos setores da agricultura, gestão de água e planeamento urbano. A necessidade de endereçar problemas imediatos como a insegurança alimentar, a migração e a destruição de infraestruturas (ex.: inundações catastróficas em Espanha), tendem a concentrar os esforços na recuperação e resiliência e não tanto nos objetivos ambientais a longo-prazo.
Terceiro, a instabilidade económica resultante da inflação, do colapso financeiro ou da escassez de recursos terá como consequência a redução do financiamento das iniciativas de sustentabilidade. Por exemplo, a dependência de combustíveis fósseis tem tendência a aumentar quando há crises económicas, o que pode levar a recuos no processo de transição energética.
Quarto, as tensões geopolíticas causam disrupções na cadeia de abastecimento, tornando mais difícil o acesso a materiais, tecnologias e infraestruturas sustentáveis. Nestes casos, os países tendem a priorizar a
segurança e interesses económicos nacionais em detrimento de acordos de cooperação internacional, como é o caso do Acordo de Paris.
Quinto, a perda de biodiversidade aumenta em situações de policrise devido à degradação do ambiente provocado pelas alterações climáticas, uso insustentável dos solos, poluição, deflorestação, entre outros, afetando a produção alimentar global, os recursos hídricos e até a questão regulamentar. À medida que a biodiversidade diminui, torna-se ainda mais difícil implementar práticas regenerativas e de conservação.
Sexto, as desigualdades sociais e a justiça climática são exacerbadas neste cenário e o acesso a soluções sustentáveis (ex.: energia limpa) será ainda mais difícil para as populações vulneráveis, o que transforma o conceito de transição justa numa ideia quase utópica. Contudo, apesar de ser um desafio altamente complexo, uma policrise pode também criar oportunidades para repensarmos e alterarmos os sistemas tradicionais, tornando-os mais resilientes e adaptados. A questão que se coloca é a seguinte: será desta que colocamos mãos à obra?

Fontes:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1364032124004398
https://polycrisis.org/lessons/what-does-the-term-polycrisis-mean/
https://www.weforum.org/stories/2023/01/polycrisis-global-risks-report-cost-of-living/
https://www.researchgate.net/publication/375603652_Evolution_of_the_polycrisis_A
nthropocene_traps_that_challenge_global_sustainability

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