É um dos princípios básicos da biologia: recebemos o DNA da nossa mãe e do nosso pai, mas uma exceção notável tem deixado os cientistas perplexos por décadas: a maioria dos animais, incluindo humanos, herda o DNA dentro de suas mitocôndrias — os centros de energia da célula — somente da mãe, com todos os vestígios do genoma mitocondrial do pai destruído no momento em que o espermatozoide se junta ao óvulo
Um novo estudo da Universidade do Colorado em Boulder, publicado na Science Advances, lança uma nova luz sobre o motivo pelo qual isso acontece, mostrando que quando o processo falha e as mitocôndrias paternas entram no embrião em desenvolvimento, isso pode levar a problemas neurológicos, comportamentais e reprodutivos duradouros em adultos.

O estudo, conduzido em lombrigas, oferece novas pistas sobre o que pode levar a alguns distúrbios mitocondriais, que dificultam a capacidade do corpo de produzir energia e impactam coletivamente cerca de uma em cada 5 mil pessoas. Ele também apresenta uma nova abordagem para potencialmente preveni-los ou tratá-los — uma vitamina simples conhecida como vitamina K2.
“Essas descobertas fornecem novos insights importantes sobre o porquê de as mitocôndrias paternas precisarem de ser rapidamente removidas durante o desenvolvimento inicial”, disse o autor sênior Ding Xue, professor do Departamento de Biologia Molecular, Celular e do Desenvolvimento (MCDB) da Universidade do Colorado em Boulder. “Elas também oferecem novas esperanças para o tratamento de doenças humanas que podem ser causadas quando esse processo é comprometido.”
Quando as baterias do celular estão fracas
Frequentemente descritas como baterias celulares, as mitocôndrias produzem trifosfato de adenosina (ATP), a energia que impulsiona praticamente todas as funções celulares. As mitocôndrias têm seu próprio DNA distinto, normalmente transmitido exclusivamente pela mãe.
Em 2016, Xue publicou um dos primeiros artigos a explicar como as mitocôndrias paternas são eliminadas — por meio de um mecanismo multifacetado de autodestruição conhecido como “eliminação das mitocôndrias paternas (EMP)”, um processo documentado em vermes, roedores e humanos.

“Poder ser humilhante para um homem ouvir isto, mas é verdade”, brincou Ding Xue. “As nossas coisas são tão indesejáveis que a evolução projetou múltiplos mecanismos para garantir que sejam eliminadas durante a reprodução.” Alguns teorizaram que, depois de lutar com milhões de outros espermatozoides para penetrar um óvulo, as mitocôndrias dos espermatozoides ficam exaustas e geneticamente danificadas de maneiras que seriam evolutivamente desastrosas se fossem passadas para as gerações futuras.
O que acontece quando as mitocôndrias paternas não se autodestroem?
Ding Xue e a sua equipa estudaram C. elegans, um verme translúcido que contém apenas mil células, mas desenvolve um sistema nervoso, intestino, músculos e outros tecidos semelhantes aos humanos.
A equipa não conseguiu interromper completamente a PME nos vermes — uma prova de quão resiliente esse processo evolutivo é. Mas conseguiram atrasá-lo em cerca de dez horas. Quando fizeram isso em ovos fertilizados, isso levou a reduções significativas no ATP. Se os vermes sobreviveram, eles tiveram cognição prejudicada, atividade alterada e dificuldade de reprodução.
Quando os investigadores trataram os vermes com uma forma de vitamina K2 conhecida como MK-4 (mais conhecida como um suplemento para a saúde óssea), os níveis de ATP foram restaurados ao normal nos embriões e a memória, a atividade e a reprodução nos vermes adultos foram melhoradas.
Esperança para doenças pouco compreendidas
Os autores observam que há apenas alguns casos documentados em que o DNA mitocondrial paterno pode ter sido encontrado em adultos humanos. Um artigo descreve um homem de 28 anos que tinha dificuldade para respirar, músculos fracos e não conseguia tolerar exercícios. Outro documenta 17 membros de três famílias multigeracionais não relacionadas que tinham fadiga, dores musculares, atrasos na fala e sintomas neurológicos.

Mais pesquisas são necessárias em animais maiores, mas Ding Xue suspeita que, em alguns casos, como no caso dos vermes, um mero atraso na PME pode estar alimentando doenças humanas difíceis de diagnosticar. “Se você tem um problema com ATP, isso pode afetar todas as fases do ciclo de vida humano”, afirma O investigador imagina o dia em que algumas famílias com histórico de distúrbios mitocondriais tomem vitamina K2 pré-natalmente como medida de precaução. O estudo e a pesquisa em andamento no laboratório também podem levar a novas maneiras de diagnosticar ou tratar distúrbios mitocondriais. “Há muitas doenças que são mal compreendidas. Ninguém realmente sabe o que está acontecendo. Esta pesquisa oferece pistas”.


