Restaurar grandes predadores não traz sempre o efeito esperado — e os cientistas explicam porquê
Durante as últimas cinco décadas, animais como pumas, ursos e lobos-cinzentos protagonizaram um regresso notável em várias regiões da América do Norte. Depois de quase exterminados, estes grandes predadores voltaram a ocupar os seus territórios históricos graças a leis de proteção, restrições à caça e programas de reintrodução.
A recuperação destas espécies tem alimentado a esperança de que possam ajudar a restaurar o equilíbrio ecológico — sobretudo através do controlo das populações de herbívoros. Mas um novo estudo liderado por Chris Wilmers, professor e ecólogo de vida selvagem da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, mostra que a história é muito mais complexa do que se julgava.
O mito da cascata trófica simples
O exemplo mais conhecido desta narrativa vem do Parque Nacional de Yellowstone, onde estudos publicados no início dos anos 2000 sugeriam que a reintrodução do lobo-cinzento levara os alces a evitar certas áreas, permitindo a regeneração de árvores como o salgueiro e o choupo. O fenómeno ficou conhecido como “cascata trófica”, em que alterações num nível da cadeia alimentar provocam efeitos em cascata nos restantes.
A ideia tornou-se icónica, amplamente divulgada pela comunicação social, documentários e até campanhas de conservação. Mas Wilmers afirma que esta visão é, hoje, excessivamente simplificada.
“As evidências científicas mostram que há muitos mais fatores em jogo”, explica o investigador. “Não podemos atribuir de forma limpa os efeitos observados apenas ao regresso dos lobos.”
O que dizem 170 estudos?
Para esclarecer o panorama, Wilmers e uma equipa de cientistas analisaram mais de 170 estudos produzidos desde a década de 1940. O objetivo: perceber que efeitos dos grandes predadores são realmente sustentados pela evidência científica.
Uma das conclusões mais claras é que as interações entre predadores e presas não são, na maioria dos casos, a força dominante nos ecossistemas norte-americanos. A caça humana, alterações no uso do solo e limitações ambientais têm frequentemente um impacto muito maior nas populações de alces, veados ou alces-americanos.
Predadores podem, sim, controlar presas — mas sobretudo em circunstâncias muito específicas, como em ilhas, áreas com forte confinamento espacial ou sistemas onde várias espécies de predadores pressionam o mesmo animal em fases distintas da sua vida.
O estudo destaca ainda que grandes predadores reduzem populações de carnívoros de menor porte em cerca de 18%, o que pode beneficiar espécies vulneráveis. A diminuição de coiotes em algumas regiões, por exemplo, favoreceu pronghorns (antilocapras) e raposas-vermelhas.
Quando a cascata trófica não acontece
O impacto dos predadores sobre plantas — o verdadeiro teste de uma cascata trófica — é mais difícil de comprovar.
Em Yellowstone, apesar de algumas mudanças serem compatíveis com o fenómeno, muitos detalhes permanecem mal compreendidos. A teoria inicial de que os alces evitariam certos habitats por medo de lobos não foi confirmada em estudos posteriores. E mesmo a redução do número de alces parece ter múltiplas causas: lobos, outros predadores, competição, seca e alterações ambientais.
Além disso, outros herbívoros podem mascarar o efeito dos predadores. No caso de Yellowstone, os bisontes — demasiado grandes para serem caçados por lobos — continuam a consumir intensamente as mesmas plantas, limitando a recuperação da vegetação.
O próprio ecossistema mudou durante a ausência prolongada de predadores. A eliminação de lobos e castores alterou a hidrologia dos rios, tornando-os mais estreitos e profundos, o que reduziu o habitat disponível para espécies de árvores que se tenta recuperar.
Lições para a conservação
O panorama traçado pela investigação é claro: restaurar grandes predadores é importante, mas não produz efeitos automáticos, lineares ou previsíveis.
“A recuperação destas espécies aumenta a biodiversidade e a complexidade do ecossistema, e isso é benéfico”, afirma Wilmers. “Mas não podemos esperar resultados simples ou imediatos.”
Novas tecnologias — desde telemetria GPS a monitorização genética e acústica — poderão ajudar a clarificar o papel dos grandes predadores nos próximos anos.
Até lá, os cientistas deixam um aviso: o melhor caminho é evitar que estes animais desapareçam das paisagens desde o início.
“Reintroduzi-los pode ser útil, mas restaurar totalmente as funções ecológicas perdidas pode levar 50 a 100 anos”, conclui Wilmers.


