Um estudo publicado na revista Science revela que a maioria das áreas marinhas protegidas (AMP) no mundo continua exposta à pesca industrial, grande parte dela fora de qualquer sistema de monitorização pública.
A investigação, conduzida pela Universidade de Montpellier, o IRD, o CNRS e a ONG BLOOM, analisou cerca de 6.000 AMP costeiras entre 2022 e 2024. Os resultados mostram que quase metade dessas zonas foram alvo de pesca industrial nesse período. Mais preocupante ainda, dois terços dos navios envolvidos não transmitiram a sua posição através do sistema de identificação automática (AIS), escapando assim à vigilância pública.

Presença de embarcações de pesca industrial no noroeste do Mar Mediterrâneo. Em azul, embarcações cujo sinal de GPS era de conhecimento público. Em bege, embarcações não rastreadas, mas detectadas em imagens de satélite. Os limites das áreas marinhas protegidas são mostrados a branco. Crédito: Universidade de Montpellier
Segundo os investigadores, isto significa que a verdadeira intensidade da pesca industrial nestas áreas foi fortemente subestimada, revelando que muitas AMP oferecem pouca ou nenhuma proteção contra atividades que deveriam ser restringidas.
Proteção ilusória
A análise baseou-se em dados da ONG Global Fishing Watch, que cruza imagens de satélite com os sinais AIS dos navios. Esta combinação permite identificar embarcações que operam mesmo quando não transmitem posição oficial.
O estudo mostra ainda que a ausência de pesca industrial em algumas AMP não se deve à existência de regulamentos eficazes, mas sim ao facto de estarem localizadas em zonas pouco exploradas, como áreas remotas ou costeiras de difícil acesso. Na prática, muitas AMP foram criadas em locais “convenientes” para os Estados cumprirem metas internacionais, sem enfrentar os verdadeiros focos de pressão pesqueira.
Compromissos internacionais em risco
Atualmente, mais de 9% do oceano está oficialmente designado como área marinha protegida. Contudo, menos de 3% beneficia de uma proteção considerada científica e efetivamente rigorosa.
A França, por exemplo, afirma proteger 33% das suas águas, mas apenas 4% têm regulamentação eficaz, sendo que, nas águas metropolitanas, essa percentagem desce para um simbólico 0,03%.
Três recomendações urgentes
Os autores do estudo defendem que, para que as AMP cumpram o seu papel na conservação da biodiversidade marinha e no apoio à pesca artesanal, é necessário:
- Garantir que as AMP sigam as recomendações científicas e excluam a pesca industrial.
- Criar AMP em zonas realmente sujeitas a pressão pesqueira, e não apenas em áreas pouco exploradas.
- Reforçar a transparência e a vigilância, tornando obrigatório o uso do AIS a nível mundial.
Com a meta global de proteger 30% do oceano até 2030, os cientistas alertam que não basta criar AMP “no papel”: é preciso assegurar que estas áreas sejam verdadeiramente eficazes na preservação dos ecossistemas marinhos.