#PorUmMundoMelhor

Luís Cristino

30 Milhões para Reciclar… mas, e para evitar o desperdício?

O Governo anunciou no inicio desta semana um investimento de 30 milhões de euros, através do PRR e do programa europeu REPowerEU, para modernizar linhas de triagem, reforçar centrais de compostagem, instalar novos contentores de recolha seletiva e comprar viaturas elétricas para a recolha de resíduos.

A ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, declarou que este é “um passo decisivo para acelerar a economia circular em Portugal, garantindo mais reciclagem, menos aterro e maior valorização dos recursos”. A retórica é apelativa, mas a realidade obriga a questionar: será isto um verdadeiro avanço ou apenas mais uma operação de cosmética num sistema que continua assente na lógica linear do “produzir–usar–deitar fora”?

Modernizar infraestruturas é necessário. E não podemos viver na ilusão da reciclagem como solução única. Aliás, insistir apenas em investir no fim da linha é como tentar esvaziar uma banheira sem fechar a torneira. Enquanto não atacarmos a raiz do problema — a quantidade absurda de resíduos que produzimos — estaremos apenas a prolongar a vida de um modelo insustentável.

É certo que mais triagem e compostagem são passos importantes. No entanto, onde estão os incentivos claros para reduzir resíduos antes de eles sequer existirem? Onde está o apoio consistente à recolha de biorresíduos, que os municípios têm vindo a reclamar há anos? Onde estão as medidas que incentivem um design mais circular dos produtos, reduzindo a dependência de embalagens descartáveis?

Não estaremos apenas a adornar um sistema linear que já está no limite?
Enquanto celebramos investimentos na ponta do processo, os aterros aproximam-se da saturação a passos largos e o desperdício continua a nascer na origem.

Mas onde estão os incentivos para reduzir os resíduos antes de eles sequer existirem?
A verdadeira economia circular não se faz apenas a reciclar melhor — faz-se a produzir menos lixo.

Se queremos alterar hábitos, não basta investir em máquinas e camiões elétricos. Precisamos de políticas eficazes como o PAYT (“pay-as-you-throw”) ou o RAYT (“receive-as-ypu-throw”), que fazem cada cidadão pagar em função dos resíduos indiferenciados que produz. Quem separa e reduz paga menos; quem insiste em desperdiçar, paga mais. É simples, justo e eficaz.

Como é usual no nosso país, as contas não batem certo e há um paradoxo gritante. Desde 2021, Portugal já transferiu para Bruxelas cerca de 600 milhões de euros em contribuições pela não reciclagem de embalagens de plástico. Em contrapartida, anuncia agora um investimento de apenas 30 milhões para melhorar a gestão de resíduos.

Como diria um conhecido político português: “é fazer as contas!!”. A desproporção entre o que gastamos a pagar pelas falhas do sistema e o que investimos para o transformar deveria, por si só, justificar uma mudança de prioridades.

Não nego: os 30 milhões são necessários. E não só no sistema em alta, mas também em baixa como dizem os especialistas nesta área. Estão longe de ser suficientes. Mas, sozinhos, são pouco mais do que um remendo. Uma contenção de danos, não uma transformação estrutural que urge, no nosso país e em todo mundo.

Se quisermos de facto  um país alinhado com as metas europeias de reciclagem, uma economia circular robusta e sobretudo, com a neutralidade carbónica até 2050, precisamos muito mais que isto. É necessário apoiar fortemente a recolha seletiva de biorresíduos em todos os municípios, grandes ou pequenos. E visto que estamos em plena campanha eleitoral para as autarquias, seria bom uma implementação generalizada de um sistema PAYT/RAYT que crie incentivos reais para reduzir o lixo indiferenciado. E já agora não esquecer da transparência sobre a devolução da TGR, porque não se fazem omeletes sem ovos. Mas o que é necessário acima de tudo, é um redireccionamento de fundos para a prevenção de resíduos na origem – menos embalagens, mais reutilização. É uma dor de alma olhar para o que compramos no dia a dia e a quantidade de embalagens de uso único que deitamos fora.

O maior perigo deste tipo de anúncios é criar a ilusão de que estamos no caminho certo. Sem medidas de fundo, que vão à raiz do problema, os 30 milhões servirão apenas de cosmética para um sistema que está esgotado e continua a produzir demasiado lixo, a enviar toneladas, muitas toneladas para aterro (que muitos atingem o seu limite já no final deste ano) e a desperdiçar recursos valiosos, num momento que tanto revindicamos a nossa soberania e o futuro dos negócios e da indústria na Europa. Estamos aterrar muito dinheiro, autênticos rios de dinheiro deitados fora!

Portugal não precisa apenas de triar e reciclar melhor. Precisa de produzir menos resíduos, desde o início. São cerca de 5,3 milhões de toneladas de resíduos urbanos, em que 57% destes resíduos vão parar em aterro. Muito, muito aquém das metas para daqui a 10 anos – 65% de preparação para reutilização e reciclagem e somente de 10% para a deposição em aterro.

 A economia circular que tanto se proclama não nasce da triagem, mas da prevenção, da inovação e também da coragem política. Apesar de não se fazer por decreto. Constrói-se! Todos nós temos que fazer mais, a inovar mais e a descobrir mais soluções circulares.

A transição para economia circular já não é uma opção ideológica. A circularidade é fundamental para a sustentabilidade e simultaneamente enfrentar a crise ambiental, económica e social do nosso tempo. Então não temos opção! Temos que a fazer. É estratégica.

Se queremos uma neutralidade carbónica em 2050, a forma mais eficaz e barata que temos para reduzir emissões de CO2 é promover circularidade e evitar desperdício. 

Sem isso, nem 30 milhões chegam para evitar a fatura que já está a bater à nossa porta. Estaremos apenas a triar desculpas, a reciclar promessas – e a desperdiçar o futuro.

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