Um novo estudo científico publicado na revista Communications Earth & Environment desmistifica parcialmente a fama do Salar de Uyuni, na Bolívia, conhecido mundialmente como o “maior espelho natural do planeta”.
A investigação, liderada por Stefano Vignudelli e colegas, utilizou dados de altimetria por radar dos satélites Sentinel-3, do programa europeu Copernicus, para avaliar a suavidade da superfície da água durante a estação das chuvas.
O Salar de Uyuni é o maior deserto de sal do mundo, com cerca de 10 mil quilómetros quadrados, situado a 3.600 metros de altitude no departamento de Potosí, na Bolívia. Este é uma atração turística devido à sua superfície espelhada, mas qual é o seu segredo?
Na época seca, entre abril e novembro, a superfície é formada por uma crosta de sal marcada por padrões poligonais. Mas durante a estação húmida, de dezembro a março, uma fina lâmina de água cobre a planície, criando a ilusão de um espelho perfeito que atrai milhares de turistas.
Até agora, essa ideia nunca tinha sido confirmada cientificamente — apenas através de fotografias tiradas por visitantes, sobretudo nas zonas acessíveis junto às margens. O interior do Salar, difícil de alcançar no período de cheias, permanecia em grande parte um mistério.
Medições no terreno e por satélite

A equipa analisou quase 392 mil registos de radar obtidos entre 2016 e 2024 e realizou, pela primeira vez, uma campanha de medições no interior do Salar, em fevereiro de 2024, coincidindo com a passagem de um satélite Sentinel-3. Os resultados mostraram que, em certas condições, a superfície da água pode ser extremamente lisa, refletindo as ondas de radar quase como um espelho perfeito.
Contudo, os investigadores concluíram que a suavidade da superfície varia no tempo e no espaço. A influência do vento e a quantidade de água acumulada tornam o fenómeno muito menos uniforme do que sugerem as imagens populares. Em média, apenas cerca de 11% dos registos de radar correspondem a superfícies verdadeiramente espelhadas. O período de maior probabilidade para observar o efeito ocorre entre finais de janeiro e início de março, com o mês de fevereiro a oferecer as melhores condições.
Importância científica e turística

Além de esclarecer um mito turístico, o estudo tem relevância científica: ao compreender como a superfície do Salar responde à chuva e ao vento, é possível melhorar o conhecimento sobre a dinâmica hidrológica da região e até sobre os processos ligados às reservas de lítio, abundantes nas salmouras subterrâneas.
“O Salar de Uyuni não é um espelho perfeito em toda a sua extensão, mas sim uma paisagem dinâmica, em que a suavidade da água depende fortemente das condições meteorológicas”, explicam os autores.
Este trabalho abre caminho para novas aplicações da altimetria por radar em ambientes continentais e demonstra que, mesmo nos locais mais conhecidos, ainda há muito por descobrir quando se observa a Terra a partir do espaço.
Este artigo foi escrito partindo deste estudo.