Sob os nossos pés, existe um mundo invisível onde os eletrões percorrem distâncias surpreendentes, alimentando reações químicas que sustentam ecossistemas, controlam a qualidade da água e determinam o destino de poluentes.

Diferentes escalas de processos de transferência de eletrões no subsolo. Créditos: Yanting Zhang, Man Tong, Peng Zhang, Andreas Kappler e Songhu Yuan
Um novo estudo publicado na revista Environmental and Biogeochemical Processes, liderado por investigadores da China University of Geosciences em colaboração com a Universidade Agrícola de Shenyang, revela que os processos de transferência de eletrões (ET) no subsolo não se limitam a escalas microscópicas, como se pensava até agora. Pelo contrário, podem estender-se desde alguns nanómetros até vários centímetros ou mesmo metros, formando verdadeiras “autoestradas de eletrões” no interior da Terra.
Muito além dos “pontos quentes” microscópicos
Até há pouco tempo, acreditava-se que as reações de oxidação-redução — fundamentais para o ciclo de nutrientes, a energia microbiana e a mobilidade de contaminantes — ocorriam apenas em pequenos “pontos quentes” de contacto entre minerais, água e microrganismos.
No entanto, a investigação mostra que minerais condutores, moléculas orgânicas naturais e até bactérias especializadas, conhecidas como cable bacteria, podem funcionar como pontes para a passagem de eletrões a longas distâncias. Em alguns casos, estas ligações sucessivas criam verdadeiras cadeias de ET que ligam zonas químicas distantes, estabelecendo redes subterrâneas de transferência de carga.
“Estas descobertas desafiam a visão clássica de que a transferência de eletrões é apenas local”, explica o professor Songhu Yuan, autor correspondente do estudo. “Agora sabemos que processos redox podem interligar-se a grandes distâncias, acoplando reações entre zonas distintas. Isto tem implicações profundas para a remediação de contaminantes e para a sustentabilidade ambiental.”
Aplicações na descontaminação e no clima
As implicações práticas são vastas. Estas autoestradas de eletrões podem ser aproveitadas em estratégias de “remediação remota”, permitindo degradar poluentes em áreas inacessíveis sem a necessidade de injeção direta de químicos.
Materiais condutores podem ampliar a atividade microbiana, enquanto as “cable bacteria” ajudam a ligar o oxigénio à superfície dos sedimentos com compostos de enxofre em profundidade, reduzindo emissões nocivas.
Segundo a investigadora Yanting Zhang, coautora do estudo, “ao compreender como os eletrões se movem no subsolo, podemos prever melhor o destino de nutrientes e poluentes e desenhar estratégias mais eficazes para proteger os aquíferos e os ecossistemas”.
O futuro: medir e aproveitar a rede subterrânea
O próximo desafio, sublinha a equipa, será desenvolver ferramentas mais precisas para medir os fluxos de eletrões em diferentes escalas, criar modelos que liguem as reações microscópicas aos processos observados no campo e conceber tecnologias de remediação que tirem partido destas vias naturais.
No limite, os engenheiros ambientais poderão, um dia, “ligar-se” a esta rede elétrica subterrânea para restaurar solos e águas contaminadas.
Este novo enquadramento conceptual abre portas a uma visão do subsolo como um sistema interligado de reações redox — uma verdadeira grelha subterrânea de eletrões que mantém o equilíbrio ambiental e pode ser a chave para enfrentar desafios de poluição e sustentabilidade.