Mesmo protegidos por lei, os lobos fogem ao ouvir vozes humanas. Investigadores canadenses e polacos confirmam: o homem é o verdadeiro “superpredador”.
Durante séculos, os contos populares ensinaram-nos a temer o “lobo mau”. Mas a ciência mostra que a história é outra. Um novo estudo internacional revela que, na verdade, os lobos é que têm medo de nós — e com boas razões.

A professora Liana Zanette da Western University configura um sistema automatizado de câmera e alto-falante. Crédito: Michael Clinchy
A investigação, publicada na revista Current Biology, foi liderada pela professora Liana Zanette, da Universidade de Western Ontario, no Canadá, em colaboração com o especialista em lobos Dries Kuijper, da Academia Polaca de Ciências. O trabalho demonstra que, mesmo em regiões onde os lobos são legalmente protegidos, estes continuam a evitar os humanos e a alterar o seu comportamento por medo.
Experiência inédita na floresta polaca
A equipa montou um sistema automatizado de câmaras com altifalantes escondidos numa área de 1.100 quilómetros quadrados na floresta de Tuchola, no norte da Polónia. Quando um animal passava perto, o dispositivo emitia sons humanos (pessoas a falar calmamente em polaco), latidos de cães ou sons neutros de aves — e registava a reação.
Os resultados foram claros: os lobos fugiram mais do dobro das vezes e abandonaram o local duas vezes mais depressa quando ouviram vozes humanas, em comparação com os sons de aves. O mesmo padrão foi observado nas presas dos lobos, como os veados e javalis.
O medo muda os hábitos dos lobos
O estudo mostra que o medo dos humanos leva os lobos a mudar os seus horários de atividade. Como os humanos são mais ativos de dia, os lobos tornaram-se quase cinco vezes mais noturnos.
“Os lobos não são excecionais por temerem os humanos — e têm boas razões para isso”, diz Liana Zanette. “Os humanos matam presas a taxas muito superiores às de qualquer outro predador e matam grandes carnívoros, como os lobos, nove vezes mais do que eles morreriam naturalmente.”
Protegidos, mas ainda em risco
Mesmo em países onde os lobos estão protegidos, o risco continua elevado. Na União Europeia, os humanos matam lobos a sete vezes a taxa de mortalidade natural, seja de forma legal ou ilegal. Em França, por exemplo, é permitido abater até 20% da população de lobos todos os anos. A situação é semelhante na América do Norte.
“Proteção legal não significa deixar de matar lobos; significa apenas não os exterminar”, explica Zanette. “Qualquer lobo destemido acabaria morto em pouco tempo.”
O verdadeiro problema: a comida humana
Nos últimos anos, os lobos têm regressado a zonas onde antes tinham desaparecido, o que tem aumentado os encontros com pessoas. Muitos interpretam isso como um sinal de que os lobos perderam o medo, mas o estudo desmente essa ideia.
Segundo Zanette, o motivo é simples: a comida humana é irresistível.
“Um lobo que parece destemido é, na verdade, um lobo faminto que arrisca aproximar-se de nós para conseguir comida”, explica.
A investigadora defende que o foco do debate deve mudar.
“O problema não é o lobo sem medo — é o lobo que encontra comida fácil”, sublinha. “Precisamos de educar o público para guardar bem os alimentos, eliminar o lixo e proteger o gado.”
O “superpredador” humano
O estudo reforça uma conclusão desconfortável: os humanos são o verdadeiro “superpredador”. Matam mais, caçam melhor e moldam o comportamento das espécies que os rodeiam.
No fim de contas, o “lobo mau” das histórias é apenas um animal prudente — e o medo que sente de nós é, afinal, o que o mantém vivo.