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África, Clima e Alimentação: Como Alimentar um Continente sem Aumentar a Pegada de Carbono

Um estudo internacional compara a trajetória africana com a da China e propõe soluções concretas — da gestão da água nas plantações de arroz à modernização das cadeias logísticas — para produzir mais alimentos sem agravar a crise climática.

A agricultura e os sistemas alimentares de África são responsáveis por cerca de 2,9 mil milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano, mais de um quarto das emissões globais do setor. Este é o ponto de partida de um estudo conduzido por investigadores da China Agricultural University e da Aliança de Bioversity International e do Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), que analisa o percurso de África em comparação com o da China e propõe caminhos práticos para conciliar segurança alimentar e ação climática.

Mais pessoas, menos emissões: o grande desafio africano

A população africana deverá atingir 2,5 mil milhões de pessoas até 2050, o que coloca uma questão urgente: como produzir mais alimentos sem aumentar as emissões. Entre 2000 e 2021, a pegada de carbono do setor agroalimentar africano cresceu cerca de 40%, passando de 2,03 para 2,85 gigatoneladas de CO₂ equivalente.

O aumento não foi homogéneo. Regiões como a África Oriental e Central registaram as maiores subidas, impulsionadas pela expansão agrícola e pecuária. Noutros locais, políticas de gestão do solo e uma urbanização mais avançada atenuaram o ritmo de crescimento — mas sem o inverter.

Um dos pontos críticos é a Bacia do Congo, o segundo maior pulmão tropical do planeta. A perda contínua de florestas primárias — vários milhões de hectares desde o início dos anos 2000 — ameaça tanto os sumidouros de carbono como os meios de subsistência das populações rurais. Cada hectare preservado conta duas vezes: para o clima e para a economia local.

Soluções adaptadas a cada território

O estudo sublinha que não existe uma “África única”, mas sim múltiplas realidades agroecológicas. Por isso, as soluções devem ser diferenciadas:

  • Nas zonas florestais, o foco deve estar na travagem da desflorestação e na restauração das paisagens.
  • Nas regiões pastoris, é essencial reduzir o metano emitido pelos ruminantes através de uma alimentação mais eficiente e melhor saúde animal.
  • Nas planícies de arroz, a gestão inteligente da água e do azoto pode diminuir as emissões sem comprometer os rendimentos.
  • Nas áreas periurbanas, modernizar a recolha, o processamento e o transporte garante que mais alimentos cheguem à mesa dos consumidores.

Florestas, arroz e gado: os três grandes emissores — e as pequenas mudanças que fazem diferença

A desflorestação continua a ser a maior fonte de emissões em vários países da África Central e Ocidental. A conversão de florestas densas em plantações de cacau, palma ou milho liberta grandes quantidades de CO₂. O estudo defende que “parar de cortar” não basta — é necessário tornar a proteção florestal economicamente vantajosa para as comunidades, através de:

  • direitos de posse da terra claros,
  • sistemas agroflorestais que integrem árvores e culturas,
  • cadeias de valor com rastreabilidade “zero desflorestação”,
  • e pagamentos por serviços ecossistémicos.

Nos arrozais inundados, o principal problema é o metano (CH₄). Uma técnica simples e testada com sucesso — o “Alternate Wetting and Drying” (AWD) — alterna períodos de irrigação e secagem, permitindo poupar até 30% da água e reduzir as emissões em até 47%, sem perdas de produtividade.

Já no setor pecuário, práticas como o uso de forragens melhoradas, suplementos minerais e cuidados veterinários regulares aumentam a produção de leite e carne por animal, diminuindo simultaneamente as emissões por unidade produzida. Estas abordagens, aplicadas no Sahel e na África Oriental, mostram que é possível aliar lucro e sustentabilidade.

A pegada escondida: fertilizantes, perdas pós-colheita e transporte

Uma parte crescente das emissões não vem do campo, mas sim do que o rodeia: fabrico de fertilizantes, transporte, armazenamento e desperdício alimentar.

  • Fertilizantes: a produção de amoníaco, base da ureia, é altamente intensiva em energia. O estudo recomenda duas vias complementares — descarbonizar a indústria química (hidrogénio verde, captura de carbono) e usar os fertilizantes de forma mais precisa e racional no campo.
  • Perdas pós-colheita: entre 20% e 30% da produção de frutas, hortícolas e tubérculos perde-se antes de chegar ao consumidor. Iniciativas como a ColdHubs, na Nigéria, demonstram o impacto de armazéns frigoríficos solares partilhados, que reduzem perdas e aumentam os rendimentos dos agricultores.
  • Logística: modernizar frotas, melhorar o carregamento dos camiões e apostar em transporte ferroviário eletrificado são medidas-chave para reduzir emissões e custos.

Políticas, financiamento e inovação: acelerar a transição

As soluções já existem — o desafio é escala e velocidade. Exemplos positivos emergem em várias frentes:

  • No Quénia, um programa de subsidiação digital de fertilizantes lançado em 2022 melhorou a transparência e o acesso, com potencial para integrar critérios ambientais.
  • Na África do Sul, a Lei das Alterações Climáticas (2024) estabelece orçamentos setoriais de carbono e um imposto alinhado com metas nacionais, incentivando empresas agrícolas e de transporte a adaptarem-se.
  • A nível continental, a iniciativa AFR100 compromete mais de 30 países a restaurar 100 milhões de hectares de terras degradadas até 2030.

O financiamento continua a ser o grande obstáculo: estima-se que África precise de 50 mil milhões de dólares anuais até 2030 para cumprir os seus objetivos de mitigação e adaptação. Projetos replicáveis e mensuráveis, como sistemas de arroz AWD, cadeias frias solares ou programas de agroflorestação, podem atrair investimento público e privado.

Um futuro possível

O estudo conclui com uma meta ambiciosa e realista: levar tecnologias de baixo carbono a 20% das explorações familiares africanas, garantindo ganhos simultâneos em rendimento, resiliência e saúde dos solos.

Em última análise, alimentar África e proteger o clima não são objetivos incompatíveis. Com políticas públicas inteligentes, inovação agronómica e cadeias de valor sustentáveis, o continente pode crescer sem destruir — tornando-se uma referência global em desenvolvimento verde e inclusivo.

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