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Cativeiro altera profundamente as bactérias intestinais dos pandas e ursos asiáticos, revela estudo

Um novo estudo mostra que o ambiente de cativeiro tem mais impacto na microbiota intestinal dos pandas e ursos do que a dieta ou a genética da espécie.

Um grupo de investigadores chineses demonstrou que o cativeiro provoca uma reestruturação profunda das comunidades de microrganismos intestinais — a chamada microbiota — em três espécies de ursídeos ameaçados: o panda-gigante (Ailuropoda melanoleuca), o panda-vermelho (Ailurus fulgens) e o urso-negro-asiático (Ursus thibetanus).
O trabalho, publicado a 8 de outubro de 2025 na revista PLOS ONE, é o primeiro a comparar de forma quantitativa o efeito do cativeiro entre estas espécies e a medir o peso relativo de três fatores principais: o ambiente, a dieta e a filogenia (isto é, a relação evolutiva entre espécies).

O ambiente supera a genética e a alimentação

Os resultados são claros: o ambiente de cativeiro é o principal responsável pelas alterações na microbiota, explicando cerca de 22% da variação observada, contra 12% atribuída à filogenia e apenas 4% à dieta.
“Os nossos dados mostram que o cativeiro exerce um efeito ‘dominante’ sobre a microbiota intestinal, ultrapassando as diferenças naturais entre espécies e hábitos alimentares”, explica Wei Guo, autor sénior do estudo e investigador do Centro de Conservação e Investigação do Panda-Gigante, em Ya’an (China).

A equipa analisou amostras fecais de pandas-gigantes, pandas-vermelhos e ursos-negros-asiáticos em estado selvagem e em cativeiro, utilizando sequenciação genética de alta precisão (16S rRNA). O objetivo era compreender como o ambiente humano influencia as comunidades microbianas que desempenham papéis vitais na digestão, imunidade e saúde geral dos animais.

Diversidade microbiana: perdas e ganhos contrastantes

Nos pandas-gigantes, o cativeiro reduziu significativamente a diversidade das bactérias intestinais, o que, segundo os autores, pode refletir dietas mais pobres em bambu e mais ricas em hidratos de carbono processados, como bolos de milho cozido — um alimento comum em jardins zoológicos.
Em contraste, pandas-vermelhos e ursos-negros-asiáticos apresentaram um aumento da diversidade microbiana em cativeiro, possivelmente devido à introdução de dietas mais variadas, com frutas e cereais, e à ausência de flutuações sazonais extremas.

Apesar dessas diferenças, as comunidades microbianas das três espécies tornaram-se mais semelhantes entre si em cativeiro — um fenómeno descrito pelos cientistas como “homogeneização microbiana”.
Ou seja, as bactérias intestinais dos diferentes ursos acabam por convergir quando vivem sob as mesmas condições humanas.

Mudança nos micróbios dominantes

A composição das bactérias também se alterou de forma marcante:

  • Nos animais selvagens, a microbiota era dominada por Proteobacteria, um grupo de bactérias associado à degradação de compostos complexos do bambu e do ambiente natural.
  • Já nos animais em cativeiro, predominavam Firmicutes, microrganismos que prosperam em dietas ricas em açúcares e amidos — típicas dos alimentos fornecidos pelos tratadores.

Entre os géneros bacterianos, os investigadores encontraram um aumento preocupante de Streptococcus e Escherichia–Shigella em cativeiro, microrganismos frequentemente associados a inflamações intestinais. Em contraste, os indivíduos selvagens eram ricos em Burkholderia e Pseudomonas, bactérias capazes de degradar a lignina e a celulose do bambu, essenciais à digestão eficiente deste alimento.

Implicações para a conservação e reintrodução

As conclusões do estudo levantam alertas importantes para programas de reintrodução na natureza. A perda de micróbios especializados pode comprometer a capacidade dos pandas e ursos criados em cativeiro de se readaptarem à vida selvagem.
“Se quisermos que os animais libertados sobrevivam e prosperem, temos de restaurar a sua microbiota natural”, defende Ruihong Ning, coautora e responsável pelo trabalho laboratorial.

Os autores sugerem medidas práticas, como:

  • Aumentar a diversidade de bambu e reduzir alimentos processados nas dietas de cativeiro;
  • Evitar o uso excessivo de antibióticos, que podem eliminar bactérias benéficas;
  • Explorar transplantes de microbiota fecal (introdução controlada de microrganismos de indivíduos selvagens) para recuperar o equilíbrio natural antes da libertação.

Um passo decisivo para compreender o “segundo genoma” dos ursos

Este trabalho insere-se numa nova vaga de estudos que tratam a microbiota como um “segundo genoma” dos animais — um ecossistema invisível, mas essencial à saúde e adaptação das espécies.
Ao demonstrar que o cativeiro pode suplantar tanto a evolução biológica como a dieta na formação dessa microbiota, os autores reforçam a necessidade de integrar a dimensão microbiana nas estratégias de conservação.

Este texto foi escrito com base neste estudo. Aqui a Referência:
Xu L., Hu Z., Zhang X., Zhang S., Li W., Wang M., Ning R., Guo W. (2025). Captivity-driven microbiota reshaping: A cross-species analysis of divergent patterns in the gut microbiota of giant pandas (Ailuropoda melanoleuca), red pandas (Ailurus fulgens), and Asiatic black bears (Ursus thibetanus). PLOS ONE, 20(10): e0332481. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0332481

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