O glaciar Hektoria, localizado na Península Antártica Oriental, recuou pelo menos oito quilómetros em apenas dois meses, um ritmo quase dez vezes mais rápido do que o já registado para qualquer glaciar ancorado em terra. A descoberta foi publicada esta semana na revista científica Nature Geoscience e levanta novas preocupações sobre a estabilidade das massas de gelo polares e o impacto do aquecimento global no aumento do nível do mar.
Segundo o estudo liderado por Naomi Ochwat e colegas, da Universidade de Minnesota (EUA), o fenómeno foi observado entre fevereiro de 2022 e agosto de 2023, através da análise de imagens de satélite, dados de radar aéreo e medições de altimetria. Os cientistas verificaram que o ritmo de retração atingiu o seu máximo entre novembro e dezembro de 2022, quando o glaciar recuou cerca de 0,8 quilómetros por dia — um valor sem precedentes para um glaciar assente sobre o solo.
Tradicionalmente, os glaciares “aterrados” — ou seja, aqueles cuja base está firmemente apoiada no leito rochoso, e não a flutuar sobre o mar — recuam apenas algumas centenas de metros por ano. A nova taxa observada é, portanto, quase uma ordem de grandeza superior, o que surpreendeu a comunidade científica.
Os investigadores associam o evento a uma série de sismos registados na região durante o mesmo período. As ondas sísmicas apresentavam características típicas de rupturas de grandes blocos de gelo, conhecidas como eventos de “calving”, em que porções de um glaciar se separam e flutuam para o oceano.
Segundo o artigo, o recuo extremo terá sido provocado por um processo de desestabilização de uma “planície de gelo”, uma área relativamente plana do leito rochoso localizada na transição entre o glaciar assente em terra e a sua porção flutuante. À medida que o gelo se foi tornando mais fino, as forças de flutuação do oceano começaram a levantar toda a região, acelerando o processo de desprendimento e provocando o rápido colapso da frente glacial.
Os autores alertam que planícies de gelo semelhantes foram identificadas noutras partes da Antártida e da Gronelândia, o que sugere que outros glaciares poderão estar sujeitos a episódios de retração súbita. Mapear com maior detalhe a topografia subglacial é, portanto, fundamental para prever futuros eventos deste tipo e melhorar as projeções do aumento do nível do mar nas próximas décadas.
“Este tipo de retração rápida mostra que há processos ainda pouco compreendidos que podem alterar drasticamente a estabilidade dos glaciares”, afirmou Naomi Ochwat, em comunicado. “Se fenómenos semelhantes ocorrerem em glaciares maiores, o impacto no nível do mar global poderá ser significativo.”

