Três em cada quatro pessoas deslocadas este ano por conflitos vivem em países com alta exposição a riscos relacionados com o clima, como a Eritreia, Etiópia, Gâmbia, Mali e Senegal, segundo um estudo hoje publicado pela ONU.
Segundo o relatório “Sem Escapatória II: O Caminho a Seguir” do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que vai ser divulgado esta segunda-feira na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) em Belém, no Brasil, “os choques climáticos estão a aumentar as necessidades humanitárias e os riscos de deslocações”.
Nos primeiros seis meses deste ano, 117 milhões de pessoas tinham sido deslocadas por guerras, violência e perseguição. Destas, três em cada quatro – 75% – vivem em países que enfrentam uma exposição elevada a extrema a riscos relacionados com o clima, refere o ACNUR no documento.
Nos últimos 10 anos, desastres relacionados com o clima causaram cerca de 250 milhões de deslocações internas – o equivalente a cerca de 70.000 deslocações por dia.
“Sejam inundações que assolam o Sudão do Sul e o Brasil, calor recorde no Quénia e no Paquistão ou escassez de água no Chade e na Etiópia, o clima extremo está a levar comunidades já frágeis ao limite”, sublinha.
Para o alto-comissário para os Refugiados, Filippo Grandi, o clima extremo está a colocar a segurança das pessoas em risco e a perturbar o seu acesso a serviços essenciais, como meios de subsistência e habitações, forçando-as, assim, a deslocarem-se, sendo que muitas já o tinham feito por episódios de violência.
Segundo o ACNUR, “até 2050, os 15 campos de refugiados mais quentes do mundo – localizados na Eritreia, Etiópia, Gâmbia, Mali e Senegal – poderão enfrentar quase 200 dias ou mais de calor perigoso por ano”, o que terá sérios impactos na saúde.
“Muitos destes locais, provavelmente, tornar-se-ão inabitáveis devido à combinação mortal de calor extremo e alta humidade”, alertou.
Por outro lado, desde abril de 2023, cerca de 1,3 milhões de refugiados que fugiram do Sudão – devido ao início da atual guerra civil – procuraram refúgio no Sudão do Sul e no Chade, dois países entre os menos equipados e preparados para lidar com a crescente emergência climática, lamentou.
Em partes do Chade afetadas pelas inundações, os refugiados recém-chegados do Sudão, devastado pela guerra, recebem menos de 10 litros de água por dia – muito abaixo dos padrões de emergência.
Outro dado alarmante desta investigação é o facto de “três quartos das terras africanas estarem a deteriorar-se e mais de metade dos campos de refugiados do continente [africano] estarem localizados em áreas sob grave stress ambiental”.
“Isto está a reduzir o acesso a alimentos, água e rendimentos”, salientou.
Em partes do Sahel, as comunidades locais relataram que as perdas de meios de subsistência relacionadas com o clima estão a conduzir ao recrutamento para grupos armados, o que mostra que o stress ambiental pode alimentar ciclos de conflitos e deslocações.
Ao mesmo tempo, a falta de financiamento e a existência de um sistema de financiamento climático profundamente desigual estão a deixar milhões de pessoas desprotegidas, de acordo com a investigação.
“Os países frágeis e afetados por conflitos que acolhem refugiados recebem apenas um quarto do financiamento climático de que necessitam, enquanto a grande maioria do financiamento climático global nunca chega às comunidades deslocadas ou aos seus anfitriões”, criticou o ACNUR.
Para Grandi, parte das deslocações pode ser evitada se o financiamento climático chegar às comunidades “que já vivem no limite” e se estas forem incluídas nos planos nacionais para o clima.
O ACNUR alerta ainda que, até 2040, o número de países que enfrentam riscos climáticos extremos pode aumentar de três para 65.
LUSA

