Os ecossistemas costeiros estão a passar por um processo de destruição devido à elevação do nível do mar associada à urbanização. O biólogo marinho Omar Defeo, professor da Universidade da República do Uruguai, abordou esse tema durante o simpósio do Dia da FAPESP no Uruguai
Inúmeras praias ao redor do mundo estão a passar por um processo de “esmagamento” devido a uma combinação da elevação do nível do mar, causada pelas mudanças climáticas, e da urbanização em áreas costeiras. Esse fenómeno não só afeta profundamente a biodiversidade que vive na areia, como também prejudica atividades como a pesca e o turismo. Além disso, torna as cidades litorais mais suscetíveis ao avanço do mar.
O alerta foi emitido durante o simpósio Dia da FAPESP Uruguai pelo cientista marinho uruguaio Omar Defeo, professor da Universidade da República do Uruguai (UdelaR).
“Quase metade das praias desaparecerá até o final do século. Nós, Uruguai, Brasil e Argentina, compartilhamos esses recursos. Portanto, devemos trabalhar em parceria com cientistas brasileiros para gerenciar e conservar os ecossistemas costeiros”, disse Defeo em sua apresentação.
Conforme explicou, o ecossistema costeiro pode ser dividido em três zonas: a duna (pós-praia), que é a área acima da linha da maré alta onde a areia se acumula devido à ação do vento, formando montes ou “montanhas de areia”; a praia (face da praia), uma faixa de areia exposta durante a maré baixa e submersa durante a maré alta; e a parte submersa (fronteira), que se estende do limite inferior da maré baixa até a zona onde as ondas começam a quebrar.
“Essas zonas formam um ecossistema costeiro interconectado, essencial para o equilíbrio ambiental. Como elas se interconectam? O vento transporta areia da área seca para a zona de arrebentação [ a parte submersa ]. E quando as ondas avançam, trazem o sedimento de volta para a praia. Esse movimento bidirecional gera uma troca constante, na qual uma zona alimenta a outra. Quando uma tempestade se aproxima, a duna atua como uma barreira. Portanto, quando a urbanização elimina a duna, o resultado pode ser a destruição de casas à beira-mar”, disse o cientista.
Num estudo realizado em colaboração com investigadores brasileiros com apoio da FAPESP ( 17/17071-9 , 18/22036-0 , 18/05099-9 e 18/19776-2 ), o grupo de Defeo demonstrou que, quando uma dessas três zonas costeiras é comprometida pela urbanização, os efeitos prejudicam todo o ecossistema. O estudo, liderado pelo investigador brasileiro Guilerme Corte, analisou a biodiversidade em 90 locais ao longo de 30 praias do litoral norte de São Paulo, Brasil.
Os resultados, publicados na revista Marine Pollution Bulletin , mostram que o número de frequentadores de praias é a variável de urbanização com maior impacto e correlaciona-se negativamente com a riqueza de espécies e a biomassa, especialmente em áreas submersas. A presença de construções na areia e as atividades de limpeza mecânica também reduzem a biomassa e a riqueza de espécies. Curiosamente, a abundância (número de indivíduos) foi maior em locais próximos a centros urbanos. Segundo os autores, isso deve-se ao aumento de espécies oportunistas, como os poliquetas, que se beneficiam do aporte de matéria orgânica associado à atividade humana.
“Acima de tudo, o estudo mostrou que os impactos humanos não se restringem ao local onde ocorrem [ na areia seca ]. Stressores como construções e o grande número de visitantes na parte superior da praia afetam negativamente a biodiversidade nas áreas inferiores e submersas”, afirmou.
Outro estudo conduzido por Defeo em parceria com cientistas brasileiros e publicado na revista Frontiers in Marine Science mostrou que um quinto das 315 praias analisadas em todo o mundo apresentam taxas de erosão intensas, extremas ou severas. O grupo analisou os diversos fatores por trás do fenómeno, incluindo a elevação do nível do mar, os padrões de vento e as ondas. “Observamos que as atividades humanas desempenham um papel significativo, particularmente em praias refletoras [ com declive acentuado que faz com que as ondas dissipem sua energia abruptamente na praia ] e praias intermediárias [ que possuem características tanto de praias refletoras quanto de praias calmas ou dissipativas ]”, destacou.
A apresentação de Defeo ocorreu durante a primeira sessão científica do simpósio, dedicada às ciências oceanográficas. Outros participantes incluíram Marcelo Dottori, da Universidade de São Paulo (USP), que moderou o painel; Cristiana Seixas, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); e Natália Venturini, da UdelaR.
Para mais informações sobre o simpósio do Dia da FAPESP no Uruguai, visite fapesp.br/week/2025/urugua


