#PorUmMundoMelhor

Luís Cristino

Sustentabilidade europeia não pode servir a dois Senhores

Há uma nova moda no ar. E não, não tem nada a ver com tecidos, cores, cortes ou tendências de estação. É a moda do “crescimento verde”. Do “lucro sustentável”. Do “mais com menos”. Só que, mais uma vez, os números dizem o contrário.

O recente relatório da Swanstant escancara o que muitos de nós já suspeitávamos: as marcas de moda europeias aumentaram os seus lucros em 2023 — mas sem reduzir as suas emissões. Ou seja, crescem… mas não descarbonizam. E mais preocupante ainda: algumas aumentaram o seu impacto ambiental e foram recompensadas pelos seus clientes – venderam muito mais. Este é o retrato de um sistema onde o greenwashing continua a render dividendos, e a narrativa da transição verde está a ser apropriada para manter tudo como está.

Mas Bruxelas parece querer mudar isso. Quase ao mesmo tempo que a divulgação do estudo, foi aprovado o rascunho final para seguir para votação do PEFCR (Product Environmental Footprint Category Rules) as regras de categoria para Pegada Ambiental de Produto para os têxteis e calçado — uma tentativa da Comissão Europeia de uniformizar a forma como se mede a pegada ambiental da nossa roupa e calçado. Um sistema único e padronizado para todas as empresas, e que permitirá medir o impacto ambiental do negócio do setor. Um modo que teráem conta todas as fases do ciclo de vida e produção de uma peça de roupa, desde a fabricação, cultivo de matérias-primas, transporte ou venda, entre outros, através de 16 indicadores ambientais, que medem o uso da água, as condições de trabalho ou degradação do solo. Finalmente, poderá estar a nascer uma régua comum para todos. Mais comparável, mais transparente. E, acima de tudo, esperemos, mais justa.

Só que esta dança tem passos trocados. À boa maneira Europeia.

Porque na mesma semana, a UE publicou a diretiva “Stop the Clock” para aliviar temporariamente as regras de reporte de sustentabilidade para as empresas, dizendo que acima de tudo se quer uma Europa mais simples e mais rápida. A mesma Europa que pressiona por métricas e transparência, decide dar um tempo às próprias obrigações. A Europa que durante anos andou vender-nos o “hype sustentável” e da necessidade urgente de fazermos algo para sobrevivermos num mundo em que os recursos são finitos e o acesso a eles é cada vez mais limitado e complicado, para agora nos deixar na mão. A mesa Europa que diz que a sustentabilidade é prioridade, mas quando o lobby aperta, o cronómetro pára.

O que está em causa não é apenas coerência política. É o próprio modelo de crescimento que se quer para o setor. Porque sem transparência real, sem métricas robustas e sem responsabilização, a sustentabilidade continuará a ser um adereço de marketing — útil para seduzir consumidores, mas irrelevante para mudar o rumo da indústria.

A aprovação do PEFCR é, sim, um passo importante. Mas não pode ser visto como uma bandeira de vitória. É apenas o início de uma longa maratona onde a rastreabilidade, o ecodesign e a circularidade precisam de ser mais do que buzzwords em apresentações corporativas de encher o olho. Precisam de ser exigências regulatórias com impacto na prática — na produção, nos fornecedores e no consumidor final.

Enquanto isso, os relatórios vão mostrando o óbvio: não se pode servir dois senhores. Ou se cresce a qualquer custo, ou se transforma o modelo para que o lucro venha apesar dos limites planetários — e não à custa deles.

A indústria da moda tem de escolher que história quer contar: a do “lucro vestido de verde” ou a de uma verdadeira reinvenção do setor.

E a Europa, também.

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