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Teresa Cotrim

Fezes de animais marinhos contêm microplásticos, confundindo-se com matéria orgânica

É um ciclo, os organismos que se alimentam por filtração ingeram microplástico, depois o seu sistema digestivo expele-o e as fezes são ingeridas por outros porque são “vistas” como material orgânico, é o pesadelo da pescadinha de rabo na boca. Em seguida chega aos nossos pratos

Um novo estudo da Universidade de Tel Aviv revelou conclusões alarmantes sobre a disseminação de partículas de microplástico na cadeia alimentar marinha. Nos últimos anos, numerosos estudos examinaram os perigos da ingestão de partículas microplásticas não degradáveis pelos animais marinhos e, mais especificamente, pelos organismos que se alimentam por filtração. No estudo atual, a equipa de investigação procurou compreender de que forma a filtragem biológica por organismos que se alimentam por filtragem os afeta no que respeita á presença de microplásticos no seu ambiente e até que ponto os ingerem. 

Os resultados indicam que as partículas são excretadas nas fezes dos animais marinhos, fazendo com que não sejam identificáveis como plástico para o ambiente, mas “vistos” como outra matéria orgânica adequada para consumo. Além disso, a presença de microplástico nas fezes afeta a sua dispersão na água. Esta situação pode aumentar os níveis de carbono e azoto no fundo do mar e levar à proliferação de algas, que têm um impacto crítico no equilíbrio da cadeia alimentar marinha.

3. the researchers analyzing the secretions of marine animals.
Investigadora analisa as secreções de animais marinhos

Noa Shenkar, professora da Escola de Zoologia e do Museu Steinhardt de História Natural explica: “Há cerca de uma década, quando a sensibilização para o problema da poluição por plásticos no ambiente marinho começou a aumentar, muitos investigadores concentraram-se na identificação da localização e da escala das partículas de microplástico. Recentemente, a investigação passou a centrar-se nos efeitos e danos causados por estes. No entanto, muitas experiências neste domínio são realizadas com plástico limpo e comprado, enquanto no mar as partículas de plástico estão expostas a uma vasta gama de influências e poluentes. O nosso objetivo era examinar se e como o plástico muda após passar pelo sistema digestivo de um organismo marinho e como este processo afeta a presença de plástico e a sua disponibilidade para outros organismos”.

Os investigadores criaram um sistema experimental no laboratório que simula a água do mar com ascídias – animais marinhos que se alimentam filtrando de forma eficiente e indiscriminada pequenas partículas da água. Os investigadores expuseram os ascídias a dois tipos de partículas de plástico: o poliestireno convencional (PS), que é amplamente utilizado, e o ácido poliláctico (PLA), comercializado como um bioplástico biodegradável e amigo do ambiente. Em seguida, examinaram o impacto do processo de filtração dos ascídias na concentração e distribuição das partículas de plástico na água em quatro intervalos: no momento da exposição, após duas horas (quando os ascídias tinham filtrado toda a água disponível e ingerido as partículas de microplástico), após 24 horas e após 48 horas (após a digestão e a excreção das fezes na água).

Os resultados mostraram que aproximadamente 90% das partículas de poliestireno foram removidas da água após duas horas de filtração, mas todas as partículas voltaram à água após 48 horas, depois de passarem pelo sistema digestivo. Em contraste, a concentração de partículas de PLA na água diminuiu significativamente e permaneceu baixa durante 48 horas, sendo provável que as partículas maiores de PLA se tenham decomposto durante a digestão e regressado à água sob a forma de partículas mais pequenas e indetectáveis de tamanho nano.

2. the laboratory at tel aviv university where the experiment was conducted. (1)
No laboratório de Tel Aviv onde a experiência foi realizada

Na segunda fase do estudo, os investigadores examinaram o que tinha acontecido às partículas de microplástico que foram filtradas, digeridas e excretadas de volta para a coluna de água. Para o efeito, isolaram as partículas de microplástico das fezes dos ascídias e analisaram-nas utilizando a espetroscopia Raman, um dispositivo avançado que identifica a composição química dos materiais através da dispersão de um feixe de laser.

Eden Harel, da Escola de Zoologia da Faculdade de Ciências da Vida Wise explica: “Descobrimos que o dispositivo de espetroscopia sensível não conseguiu identificar o material como plástico e, em vez disso, identificou a partícula como outro tipo de material orgânico. As nossas descobertas revelaram que as partículas de microplástico são excretadas pelo sistema digestivo dos ascídias revestidas por uma camada fecal, e é provável que o ambiente marinho também as identifique como material orgânico. Uma vez que muitos animais marinhos se alimentam de fezes, podem ingerir plástico que tenha alterado as suas propriedades, identificando-o como alimento. Desta forma, estão também expostos a microplásticos e espalham-nos na cadeia alimentar marinha. O revestimento fecal pode servir de substrato para a colonização bacteriana e aumentar a adesão e a acumulação de poluentes como metais pesados e substâncias orgânicas residuais (como antibióticos) nas partículas de plástico”.

Para Inês Zucker, da Escola de Engenharia Mecânica e da Escola Porter de Ambiente e Ciências da Terra, da Universidade de Tel Aviv, este fenómeno afecta igualmente os bioplásticos comercializados como “biodegradáveis”: a menos que estejam reunidas as condições para a sua decomposição completa, senão permanecem como partículas poluentes que mudam de propriedades durante a passagem pelo sistema digestivo. As múltiplas transformações que as partículas de plástico sofrem no ambiente – desde a meteorização até aos processos digestivos, tal como investigado neste estudo – transformam-nas em portadoras de poluentes e de doenças na rede alimentar”.

Na terceira fase do estudo, os investigadores examinaram o efeito inverso: a forma como as partículas de microplástico afetam as fezes, um material orgânico que desempenha um papel vital na ecologia marinha. Eden Harel explica: “Descobrimos que o plástico altera propriedades físicas importantes das fezes. As fezes normais afundam-se muito lentamente na coluna de água, servindo de alimento para muitos organismos ao longo do caminho. Em contrapartida, as que contêm partículas de microplástico afundam-se rapidamente no fundo do mar. Este facto remove uma importante fonte de nutrientes da coluna de água. Além disso, a maior velocidade de afundamento diminui a sua dispersão, provocando a acumulação de fezes e de partículas de plástico perto do local onde os animais se instalam. Esta acumulação pode aumentar os níveis de carbono e azoto no fundo do mar e desencadear a proliferação de algas, o que representa outro impacto crítico dos microplásticos no equilíbrio da cadeia alimentar marinha”.

Os investigadores concluem: “Neste estudo, revelámos aspetos significativos da influência dos animais filtradores nas caraterísticas das partículas de microplástico no seu ambiente e na cadeia alimentar marinha. A conclusão mais alarmante é que o problema dos microplásticos é muito mais complexo do que se pensava inicialmente. A poluição por plásticos no ambiente marinho tem muitas dimensões inesperadas e as suas complexidades continuam a aumentar. Por vezes, nem nós nem o ambiente conseguimos reconhecê-lo como plástico. Com o passar do tempo, o plástico continua a prejudicar cada vez mais ecossistemas marinhos. É nosso dever desenvolver novas tecnologias para mitigar este fenómeno perigoso”.

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