O comércio global de animais de estimação selvagens — tanto legal como ilegal — está a intensificar-se, com consequências devastadoras para a vida selvagem, os ecossistemas e até para a saúde pública. O alerta foi lançado pela Wildlife Conservation Society (WCS), que pede ação urgente durante o Congresso Mundial de Conservação da IUCN, a decorrer em Abu Dhabi de 9 a 15 de outubro.
A WCS vai apelar à aprovação da Moção 108, que propõe o desenvolvimento de novas Diretrizes da IUCN para reforçar as leis nacionais e limitar o comércio comercial de animais terrestres como animais de estimação.
Embora não sejam juridicamente vinculativas, estas diretrizes têm grande influência junto de governos e entidades de conservação, frequentemente orientando políticas nacionais e internacionais. No entanto, a proposta enfrenta resistência de setores que se opõem a qualquer restrição ao comércio global de fauna exótica.
Um comércio crescente e desregulado
Segundo um relatório recente da WCS, o comércio de animais de estimação terrestres é enorme, mal regulado e cada vez mais associado ao crime organizado, abrangendo desde espécies comuns até animais ameaçados, cobiçados por colecionadores.
Grande parte destas transações ocorre fora do âmbito da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas), tornando o fluxo praticamente impossível de monitorizar. As redes sociais e plataformas online têm impulsionado a venda direta e anónima, dificultando ainda mais a fiscalização.
Anualmente, milhões de animais — incluindo chitas, papagaios, passeriformes, tartarugas, cobras, lagartos, rãs e até invertebrados como tarântulas — são comercializados, muitas vezes em conjunto com outras atividades ilícitas.
A corrupção e a fraca aplicação da lei em alguns países permitem que animais capturados ilegalmente sejam “lavados” e reintroduzidos no mercado como provenientes de fontes legais, minando os esforços de conservação de outras nações.
Mesmo o comércio legal acarreta riscos sérios: as populações selvagens de muitas espécies sofrem declínios acentuados antes de receberem qualquer proteção oficial, já que o atual sistema global só regula o comércio de espécies listadas na CITES — frequentemente quando já é demasiado tarde.
Consequências ecológicas e sanitárias
Os impactos deste comércio são profundos: declínio populacional de espécies, desequilíbrio dos ecossistemas e aumento do risco de transmissão de doenças zoonóticas — aquelas que passam de animais para humanos.
A WCS alerta que as apreensões de tartarugas, papagaios e répteis ilegais, reportadas quase diariamente em todo o mundo, representam apenas a “ponta do icebergue”. Sem medidas internacionais mais rigorosas, muitas populações selvagens podem colapsar, ameaçando não apenas a biodiversidade, mas também o bem-estar humano.
Um apelo à mudança global
“É urgente um novo paradigma”, defendeu Sue Lieberman, vice-presidente de Política Internacional da WCS.
“O mundo tem de reconhecer o comércio global de animais de estimação selvagens como uma séria ameaça às espécies, à biodiversidade e à saúde pública. A Moção 108 é um passo essencial para mudar as normas globais. Apelamos a todos os membros da IUCN que apoiem esta moção no Congresso de Abu Dhabi.”
Na mesma linha, Elizabeth Bennett, vice-presidente do Programa de Espécies da WCS, sublinhou o caráter enganador deste comércio:
“O comércio de animais de estimação selvagens é insidioso porque envolve animais cativantes, que despertam empatia e desejo de cuidado. Mas retira milhares de espécies e milhões de indivíduos da natureza, deixando para trás florestas silenciosas e ecossistemas degradados — sem polinizadores, sem dispersores de sementes, sem vida funcional.”
Uma oportunidade decisiva
O Congresso Mundial da IUCN, que reúne governos, cientistas e organizações ambientais, poderá marcar um ponto de viragem. Se aprovada, a Moção 108 poderá inspirar reformas legislativas e aumentar a pressão internacional para conter um comércio que, embora lucrativo, ameaça o equilíbrio natural do planeta.