Investigadores da Universidade de São Paulo desenvolvem metodologia para prever impactos nas espécies de produção animal até 2100
Cientistas brasileiros lideraram um estudo pioneiro e abrangente que permite projetar as respostas fisiológicas de diferentes espécies de animais de produção aos efeitos das alterações climáticas entre 2050 e 2100. A investigação, conduzida na Universidade de São Paulo (USP), fornece dados essenciais para a formulação de políticas públicas e estratégias do setor privado com vista a garantir a segurança alimentar e evitar o colapso da produção de proteína animal.
O estudo alerta que, caso o aumento médio da temperatura global atinja 2 °C até 2050, situações críticas para a agricultura, bem como para a saúde animal e humana, tornar-se-ão mais frequentes e intensas. Entre os principais resultados, destaca-se que os pequenos ruminantes do Hemisfério Norte serão mais afetados do que os do Hemisfério Sul, com um aumento médio de até 68% na frequência respiratória.
No Hemisfério Sul, a produção de leite será a mais vulnerável ao stress térmico, enquanto cabras e bovinos de carne apresentarão maior resiliência devido à plasticidade fenotípica — a capacidade de alterar características físicas consoante as condições ambientais, sem modificar o código genético. Entre as aves de produção, galinhas poedeiras e codornizes surgem como as mais sensíveis, podendo registar até 40% de aumento na respiração por minuto até 2100.
Segundo Iran José Oliveira da Silva, coordenador do Centro de Pesquisa sobre o Ambiente (NUPEA) na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), “com o aumento das temperaturas globais e a intensificação de fenómenos climáticos extremos, será necessário desenvolver raças resistentes e adaptáveis, bem como ambientes de produção com controlo térmico. Este estudo fornece informações cruciais para orientar políticas de adaptação da produção animal visando a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental.”
Metodologia inovadora
A investigação utilizou 12 bases de dados recolhidas no Brasil, Itália e Espanha, organizando informações biológicas, produtivas e ambientais. A equipa analisou respostas adaptativas e identificou biomarcadores fenotípicos de animais de produção através de análise fatorial exploratória e regressão múltipla.
Modelos inteligentes, com recurso a machine learning e análise multivariada, foram usados para projetar cenários climáticos segundo os dados do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC-RCP 4.5). Foram avaliadas variáveis termorreguladoras, hematológicas, morfológicas, hormonais e bioquímicas em espécies como ovinos, caprinos, bovinos, suínos, galinhas e codornizes.
Os autores destacam que variáveis hematológicas, obtidas através de análises ao sangue, são importantes biomarcadores de adaptação ao calor, até mais do que a morfologia do pelo.
Paradoxo alimentar e segurança global
O estudo sublinha o paradoxo entre crescimento populacional e produção alimentar: a população mundial deve passar de 8 mil milhões para cerca de 10 mil milhões até 2050, enquanto 8,2% da população mundial passou fome em 2024, e um terço da produção alimentar é desperdiçado. A produção agropecuária é responsável por 31% das emissões globais de gases com efeito de estufa, pressionando ainda mais a cadeia alimentar global.
Com base nestes dados, os investigadores reforçam a necessidade urgente de investir em genética, cruzamentos e conservação de raças locais, sobretudo em aves de produção, altamente sensíveis ao calor. “O gado leiteiro e as aves sofrerão efeitos imediatos nos ciclos de produção, tornando urgente combinar estratégias genéticas com melhorias ambientais”, afirma Silva.
Limitações e próximos passos
Entre as limitações, os cientistas destacam a heterogeneidade das bases de dados nacionais, pequenas amostras e custos laboratoriais. Apenas a temperatura retal e a frequência respiratória eram variáveis comuns a todas as bases.
O próximo passo será ampliar a recolha de dados e informações fenotípicas sobre aves e suínos em diferentes regiões do Brasil, criando uma base robusta para prever adaptação e produtividade frente às alterações ambientais. O estudo incentiva novas pesquisas para aprofundar a relação entre respostas termorreguladoras e desempenho produtivo, reforçando estratégias de segurança alimentar.
Sobre a FAPESP
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) apoia investigação científica em todas as áreas do conhecimento, oferecendo bolsas e financiamentos, e incentiva a colaboração internacional entre investigadores de excelência.