Pode parecer uma ideia saída de um filme de animação, mas é pura ciência: as focas-leopardo da Antártida passam horas a fio a cantar… e as suas melodias partilham uma estrutura surpreendentemente semelhante às canções de embalar humanas.
Fonte: Compilation: Aleksander Wynne, Tracey Rogers, Adobe Stock.
Uma nova investigação conduzida por cientistas da Universidade de New South Wales (UNSW Sydney), publicada hoje, revela que os machos desta espécie solitária e majestosa compõem verdadeiros concertos subaquáticos durante a época de reprodução – e os padrões rítmicos que utilizam são espantosamente parecidos com as cantigas que entoamos às crianças.
“As canções das focas-leopardo têm um padrão temporal muito estruturado”, explica Lucinda Chambers, doutoranda da UNSW e autora principal do estudo. “Quando comparámos estas vocalizações com música humana e outros animais, descobrimos que a entropia — uma medida do quão previsível ou aleatória é uma sequência — era muito próxima da das canções infantis.”
Música para o amor (e para a competição)

Durante a primavera antártica, de finais de Outubro a Janeiro, os machos mergulham num intenso ritual: cantam debaixo de água durante até 13 horas por dia, em ciclos cronometrados de dois minutos submersos, dois minutos à superfície para respirar.
“São incrivelmente dedicados,” comenta a co-autora do estudo, Professora Tracey Rogers, que recolhe sons destas focas desde os anos 90. “É mesmo a sério para eles. Se colocarmos um hidrofone em qualquer ponto do gelo marinho oriental da Antártida, ouvimos estas canções.”
Apesar de todas as focas emitirem os mesmos cinco sons básicos — o “alfabeto” vocal da espécie — cada macho organiza estes sons de forma única, criando uma espécie de assinatura musical pessoal.
“Achamos que é como se cada foca tivesse o seu próprio nome,” diz Chambers. “Todas usam os mesmos sons, mas em sequências diferentes.”
Um concerto gelado com propósito
Então, por que razão estas serenatas glaciais? O estudo sugere que as canções servem mais do que um simples convite ao acasalamento. Elas podem funcionar também como um aviso territorial: “Este pedaço de gelo é meu”.
“É uma mensagem dupla,” explica Rogers. “Serve tanto para atrair fêmeas como para afastar rivais.”
Como as focas-leopardo vivem isoladas e distantes umas das outras, é essencial que as suas vozes se destaquem e se reconheçam a grandes distâncias. É aí que entra a estrutura repetitiva — tal como nas nossas canções infantis — que facilita a memorização e o reconhecimento.
Para comparar estas composições geladas com outras formas de música e vocalizações animais, os investigadores analisaram dados de 26 machos, e compararam-nos com baleias-jubarte, golfinhos, macacos-esquilo… e até com Bach, os Beatles e música contemporânea.
E o que se destacou? As semelhanças com as nossas cantilenas infantis: simples, repetitivas e memoráveis.
“Não são tão complexas como a música humana, mas estão longe de ser aleatórias,” afirma Chambers. “Encontram-se num ponto ideal — suficientemente previsíveis para serem reconhecíveis, mas com variação suficiente para manter a individualidade.”
O futuro das vozes do gelo
O material utilizado neste estudo foi recolhido em cassetes analógicas durante os anos 90, quando a Prof. Rogers percorria a costa antártica de bicicleta para marcar as focas com tinta e regressar à noite para gravar as suas vozes. Agora, com tecnologia moderna e ferramentas digitais de análise, os investigadores esperam descobrir ainda mais.
Entre as próximas etapas está a análise matemática para perceber se, tal como os golfinhos com os seus “assobios de assinatura”, as focas-leopardo usam os seus cantos para expressar identidade individual.
“Queremos saber se surgiram novos sons na população,” diz Chambers. “E se os padrões evoluíram com o tempo, geração após geração.”
Seja como for, uma coisa é certa: debaixo do gelo, longe dos olhos humanos, desenrola-se um espetáculo acústico que não deixa nada a dever aos nossos próprios rituais musicais.


