Um novo estudo sobre gorilas prova que a amizade tem prós e contras complexos, o que pode explicar o facto de alguns indivíduos serem menos sociáveis
Gutangara, uma fêmea adulta, vive num dos maiores grupos de gorilas. Tem boas relações, mas passa a maior parte do tempo com as suas crias – algumas ainda jovens e outras já adultas. É a mãe gorila mais bem sucedida que os investigadores já viram, com oito descendentes sobreviventes.
Já Maggie era a gorila fêmea de mais alto nível no grupo Bwenge. Era um dos membros mais agressivos, mas também quando era necessário prestava um apoio amigável. Liderava frequentemente as interações do grupo e agia como protetora, um papel normalmente desempenhado pelos machos. Quando o macho dominante morreu inesperadamente, Maggie assumiu o comando, guiando o grupo até se fundirem com um grupo vizinho. Mas teve dificuldades em integrar-se e acabou por se ir embora. Viajou sozinha durante um mês até atravessar o Congo, onde o seu rasto se perdeu.
Titus, um gorila de montanha macho adulto “silverback” teve uma infância difícil. Perdeu o pai e muitos outros membros do grupo para caçadores furtivos e a mãe morreu quando ele tinha apenas quatro anos. Tornou-se o macho dominante do seu grupo aos 15 anos de idade. Tinha um estilo de liderança invulgar, sendo excecionalmente gentil e calmo. As suas relações mais próximas eram com as fêmeas do seu grupo, que permaneciam frequentemente em contacto físico com ele, algo raramente observado a este ponto noutros grupos. A sua natureza gentil tornava-o muito atraente para as fêmeas e contribuiu para o seu mandato de 20 anos como macho dominante até à sua morte em 2009.
Cantsbee, também um dorso prateado, liderou o seu grupo durante 22 anos – o mais longo período de domínio alguma vez registado – e teve pelo menos 28 descendentes. Era conhecido pela sua natureza autoritária, mas pacífica, raramente iniciando ou entrando em lutas, mas era rápido a proteger os outros.

Três gerações de gorilas-das-montanhas sentados juntos. Gutangara segura a sua filha pequena, ao lado da sua filha adulta, Shishikara, e do seu neto, Kira. Foto: Fundo Dian Fossey Gorilla.
Estas são algumas das histórias dos gorilas que fazem parte do grupo de 164 gorilas selvagens das montanhas do Parque Nacional dos Vulcões, no Ruanda acompanhados há mais de 20 anos pelos investigadores do Fundo Dian Fossey Gorilla e das Universidades de Exeter e Zurique. Os cientistas queriam observar como a vida social afetava a saúde. Os custos e benefícios variavam consoante a dimensão dos grupos de gorilas e diferem entre machos e fêmeas.
Por exemplo, as fêmeas amigáveis de grupos pequenos não adoeciam com muita frequência, mas tinham menos descendentes, enquanto as de grupos grandes adoeciam mais, mas tinham taxas de natalidade mais elevadas. Por outro lado, os machos com fortes laços sociais tendiam a adoecer mais, mas eram menos susceptíveis de se ferirem em lutas.
O estudo publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), pode ajudar a explicar por que razão uma tão grande variedade de caraterísticas evoluiu nos animais sociais, incluindo os seres humanos. Este mostra ainda que o contexto afeta significativamente a aptidão física.
“Ter muitas relações sociais fortes tem vantagens e desvantagens”, afirmou Robin Morrison, principal autor do estudo e investigador sénior da Universidade de Zurique.
“Por exemplo, o nosso estudo concluiu que a existência de laços sociais fortes e estáveis está geralmente associada a menos doenças nas gorilas fêmeas, mas a mais doenças nos machos. Não sabemos ao certo porque é que isto acontece, mas parece que não é uma simples questão de o contacto social levar a um maior risco de doença”
“É possível que os machos gastem mais energia por terem laços sociais estreitos, uma vez que têm de defender as fêmeas e as crias, e o stress resultante pode reduzir a sua função imunitária”.
O estudo centrou-se na força dos principais laços sociais de cada gorila e na sua integração no grupo – juntamente com um contexto mais alargado, como o tamanho do grupo, a estabilidade e o conflito com outros grupos.

Uma família de gorilas-das-montanhas descansa junta, no Parque Nacional dos Vulcões, em Ruanda. Descansar em contato físico é um indicador de relações sociais próximas e tolerância nos gorilas. Foto: Fundo Dian Fossey Gorilla.
Os resultados evidenciam as forças que afectam a evolução do comportamento social.
Com estas forças a empurrarem em diferentes direcções, o tipo social “ótimo” dependerá do sexo, idade, descendência e grupo social mais alargado de um indivíduo”, afirmou Sam Ellis, da Universidade de Exeter.
“Nos seres humanos e noutros mamíferos sociais, o ambiente social é um dos mais fortes preditores da saúde e do tempo de vida.
“Mas o nosso estudo mostra que não se trata de um caso simples em que mais e mais fortes laços sociais são sempre melhores. Nalgumas situações, as caraterísticas sociais que anteriormente considerávamos desadaptativas podem ter benefícios importantes”.
O estudo baseia-se em observações a longo prazo de gorilas de montanha no Parque Nacional dos Vulcões, no Ruanda, que vivem normalmente em grupos de cerca de 12 indivíduos com um único macho dominante.
“Este artigo realça o incrível valor dos estudos a longo prazo para aprofundar a nossa compreensão da evolução da socialidade e de como os seus benefícios ou custos podem variar consideravelmente em diferentes ambientes”, afirmou Tara Stoinski, Diretora Executiva e Diretora Científica do Dian Fossey Gorilla Fund e uma das co-autoras do estudo.
A investigação foi financiada pela Swiss National Science Foundation e pelo Dian Fossey Gorilla Fund.
O artigo, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, intitula-se: “Group traits moderate the relationship between individual social traits and fitness in gorillas.”


