Um novo estudo publicado na revista Nature estabelece pela primeira vez uma ligação direta entre as emissões das maiores empresas de combustíveis fósseis e cimento — conhecidas como carbon majors — e as ondas de calor extremas que marcaram o planeta nas últimas duas décadas.
A investigação, liderada por uma equipa internacional de cientistas, analisou 213 ondas de calor registadas entre 2000 e 2023 em 63 países e concluiu que todas se tornaram mais prováveis e mais intensas devido às alterações climáticas. Mas há mais: cerca de metade desse agravamento pode ser atribuído diretamente às emissões de 180 grandes produtores de petróleo, gás, carvão e cimento.
Alterações climáticas tornam ondas de calor “quase impossíveis” de evitar
Os investigadores mostram que, em média, uma onda de calor entre 2000 e 2009 era 20 vezes mais provável devido ao aquecimento global. Já entre 2010 e 2019, esse valor disparou para 200 vezes mais provável. No caso mais extremo, a onda de calor que assolou o Noroeste do Pacífico em 2021 — que atingiu temperaturas inéditas no Canadá e nos EUA — teria sido praticamente impossível num clima pré-industrial.
“Estamos a ver eventos que antes eram quase impensáveis tornarem-se uma realidade frequente. E conseguimos agora quantificar a responsabilidade de quem mais contribuiu para este cenário”, explica Sonia Seneviratne, coautora do estudo e professora de ciências climáticas no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique.
Quem são os “carbon majors”?
O termo abrange empresas privadas como ExxonMobil, Chevron, BP ou Shell, mas também gigantes estatais como a Saudi Aramco ou a Gazprom, e até países enquanto produtores, como o antigo bloco soviético ou a China no setor do carvão.
Segundo os dados, as emissões destas 180 entidades representam 57% de todas as emissões de dióxido de carbono desde 1850. Só os 14 maiores poluidores, entre eles a Rússia (antiga URSS), a Arábia Saudita e a China, foram responsáveis por cerca de um terço do aquecimento global registado até hoje.
Impactos quantificados em ondas de calor
O estudo mostra que os carbon majors contribuíram para aumentar em 0,67 ºC a temperatura média global desde a era pré-industrial, o que se refletiu diretamente na intensidade das ondas de calor.
- Entre 2000 e 2009, as alterações climáticas aumentaram a intensidade média das ondas de calor em 1,36 ºC, dos quais 0,66 ºC podem ser atribuídos às grandes empresas poluidoras.
- Entre 2010 e 2019, o aumento médio foi de 1,68 ºC, com metade desse valor ligado às emissões das carbon majors.
Mesmo empresas relativamente pequenas tiveram impacto: a mais pequena entre as analisadas, a Elgaugol, esteve ligada a 16 ondas de calor que teriam sido impossíveis sem as suas emissões.
Responsabilidade e implicações legais
Estes resultados reforçam o debate sobre responsabilização legal das empresas fósseis pelos impactos das alterações climáticas. “Este estudo preenche uma lacuna de provas científicas, ao demonstrar a cadeia causal desde a extração de combustíveis fósseis até aos impactos mortais das ondas de calor”, afirma Richard Heede, cofundador do projeto Carbon Majors.
Para os autores, as conclusões não deixam margem para dúvidas: todas as empresas poluidoras, grandes ou pequenas, desempenharam um papel substancial no agravamento das ondas de calor que têm provocado milhares de mortes, perdas económicas e crises humanitárias em todo o mundo.
Este texto foi escrito com base no estudo da Nature.