Investigadores da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), descobriram o mecanismo através do qual alguns vírus transmitidos por mosquitos conseguem romper a barreira hematoencefálica e infetar o cérebro.
Os vírus transmitidos por mosquitos são geralmente associados a febres, dores nas articulações e outros sintomas agudos. No entanto, em casos graves, podem atingir o cérebro, provocando encefalite, convulsões, perda de memória permanente e, em alguns casos, a morte.
Um novo estudo publicado na revista Cell Reports mostra como certas variantes destes vírus conseguem ultrapassar a barreira protetora do cérebro e aponta caminhos para futuras vacinas e terapias antivirais.
O papel da barreira hematoencefálica
A barreira hematoencefálica funciona como um “controlo de fronteira” biológico: composta por vasos sanguíneos e células especializadas, permite a passagem de oxigénio e nutrientes, mas bloqueia a entrada da maioria dos microrganismos e toxinas. Para investigar como os vírus conseguem atravessá-la, a equipa da UCLA utilizou um modelo humano criado a partir de células estaminais, em colaboração com a Universidade Estadual da Flórida.
Os cientistas compararam duas estirpes muito próximas do vírus Sindbis — uma capaz de invadir o cérebro e outra incapaz de o fazer. Descobriram que pequenas diferenças nas proteínas de superfície viral, conhecidas como glicoproteínas, determinam a capacidade de atravessar a barreira.
A estirpe mais perigosa foca-se apenas em uma ou duas proteínas específicas das células da barreira, transformando-as em “portas de entrada”. Já a variante menos agressiva distribui os seus esforços por vários recetores, sendo muito menos eficaz.
“Surpreendeu-nos ver que a estirpe invasiva se especializa em poucas interações”, explicou Pablo Alvarez, primeiro autor do estudo e doutorando no laboratório de Melody Li, investigadora sénior do projeto. “É essa especialização que lhe confere maior eficácia.”
Do vírus Sindbis ao chikungunya
Para confirmar se este mecanismo também se aplica a outros vírus, a equipa analisou o chikungunya — responsável por surtos globais e complicações neurológicas graves. Verificaram que uma estirpe mais virulenta tinha maior capacidade de infetar células da barreira hematoencefálica em comparação com variantes mais fracas.
Estes resultados sugerem que a capacidade de infetar diretamente as células da barreira é uma característica comum a vários alfavírus neuroinvasivos. Ao identificar as glicoproteínas virais e os recetores celulares envolvidos, o estudo abre caminho ao desenvolvimento de novas vacinas e fármacos antivirais.
“Reconhecer este aperto de mão molecular dá-nos um alvo claro”, afirmou Melody Li. “Se conseguirmos bloquear essa interação, poderemos impedir a infeção antes de atingir o cérebro.”
Riscos crescentes e próximos passos
Embora o vírus Sindbis em si não represente uma grande ameaça para os humanos, outros alfavírus relacionados já circulam nos EUA e noutros países, como o vírus da encefalite equina oriental, frequentemente fatal quando chega ao cérebro.
Com as alterações climáticas e o aumento das viagens internacionais, o alcance dos mosquitos transmissores continua a expandir-se, aumentando o risco de surtos em novas regiões.
“Estes vírus já estão entre nós, e as mudanças climáticas só agravam o risco”, alertou Alvarez. “Se compreendermos como atravessam as defesas do cérebro, podemos descobrir os seus pontos fracos e proteger as pessoas contra os desfechos mais graves.”
No futuro, os investigadores planeiam estudar outros alfavírus e aprofundar, ao nível atómico, as interações entre glicoproteínas virais e recetores humanos — conhecimento essencial para conceber terapias bloqueadoras ou até vacinas mais seguras baseadas em estirpes atenuadas.
“Este é apenas o início”, sublinhou Li. “Ao melhorar os nossos modelos e expandir as análises, esperamos estar um passo à frente destes patógenos emergentes.”