O setor enfrenta o futuro com uma mistura de conquistas, desafios e incertezas. O ano 2024 foi marcado por avanços tecnológicos e muitas iniciativas sustentáveis, mas também por obstáculos estruturais e por um cenário regulatório em evolução que, embora necessário, ainda carece de clareza e implementação eficaz
Entre os pontos positivos, destaco quatro marcos. Primeiro, a crescente visibilidade internacional da produção têxtil nacional, com Portugal a afirmar-se como um destino de excelência de qualidade e sustentabilidade. Segundo, as iniciativas pioneiras em bioeconomia e circularidade , com projetos de circularidade têxtil que começam a ganhar escala e relevância internacional. O inicio de uma nova era nos desfiles de moda, com moda sustentável, o que demonstra ser possível ter vestuário amigo do ambiente sem perder o estilo.
Por último, o tão falado Passaporte Digital de Produto (DPP), que no vestuário se apresenta como uma oportunidade para em 2027 acabarmos com as tão incomodativas etiquetas e reforçar a rastreabilidade e a transparência da cadeia de fornecimento – o que será uma oportunidade para o setor português marcar os seus pontos fortes no tão frágil mercado europeu.
No entanto, os desafios não foram menos marcantes. Ainda a sofrer da escalada dos custos energéticos dos anos anteriores e do decréscimo de encomendas que se fez sentir fruto dos efeitos da crise económica dos principais mercados de exportação colocou em risco a viabilidade de muitas empresas que acabaram por encerrar quase em catadupa no ultimo semestre. Assim como não veio ajudar a forte proliferação da moda ultra rápida de conhecidíssimas plataformas online, que inundam o mercado com produtos de preços extramente baixos com qualidade e respeito às normas ambientais e sociais diretamente proporcionais aos preços praticados. A burocracia persiste como um dos entraves ao desenvolvimento, enquanto o vazio estratégico em áreas críticas, como a recolha de resíduos têxteis, expôs a falta de coordenação entre os diferentes atores.
Este último ponto é particularmente preocupante, pois 2025 traz consigo uma exigência crucial: a recolha seletiva de têxteis por parte dos municípios portugueses. Apesar de ser uma medida fundamental para promover a tão necessária e disruptiva economia circular, a realidade atual é de total desalinhamento. Alguns municípios lideram com boas práticas com ajuda de entidades particulares que viram este novo filão de negócio, mas a maioria ainda não tem um plano robusto e eficaz para responder a esta obrigação e
continuam a usar o aterro como um saco sem fundo que afinal está a chegar ao limite.
Enquanto isso, o setor têm alertado para duas questões: a má qualidade e perigosidade de reutilizar e reciclar produtos de moda ultra rápida provenientes das tão faladas plataformas online e da necessidade de infraestruturas adequadas e para o risco de se vir a criar um sistema fragmentado e ineficaz.
Porque corremos o risco de acabarmos por amontoar em muitos armazéns muitas das 234 toneladas de resíduos têxteis que se geram anualmente no nosso país, porque também ao abrigo do Regulamento Europeu para a conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis (ESPR) será proibida a inceneração e aterro de resíduos têxteis assim como a destruição de produtos não vendidos. Esta fragmentação pode comprometer a confiança de um consumidor ainda não educado para esta realidade, a competitividade das empresas e a sustentabilidade do setor, um cenário que o setor já não pode permitir.
A questão é clara: quem tomará as rédeas da gestão deste novo fluxo? Falta um resposta para que Portugal possa liderar na economia circular e continuar a ser uma referência na indústria têxtil global, é urgente uma ação concertada entre o setor público e privado, com visão global de toda a cadeia de valor com
investimento em infraestruras robustas para a recolha, seleção e transformação de resíduos em novos materiais, formação, educação ao consumidor e incentivos à inovação. Na realidade candidatos não faltam …
O setor têxtil português já demonstrou, inúmeras vezes, a sua resiliência e capacidade de adaptação e cima de tudo estar à frente do que o mercado pede. Contudo, 2025 não será um ano de transição fácil, mas sim um teste à nossa visão estratégica e ao compromisso com um futuro mais sustentável. Agora que sabemos o que está por vir, resta a pergunta: estamos prontos para agir? Porque não podemos somente desejar um futuro melhor. Temos que trabalhar para ele.