Apesar de a SHEIN anunciar que produzirá 3 mil toneladas de poliéster reciclado, isso não resolve os seus problemas de superprodução e exploração laboral. E, além disso, não é a melhor solução para o ambiente
Recentemente, a Shein anunciou um “avanço” tecnológico e no seu dito compromisso com a sustentabilidade: uma nova tecnologia de reciclagem química de poliéster, desenvolvida em parceria com a Universidade Donghua, da China. Este processo permite reciclar tanto resíduos pré-consumo como pós-consumo, e, segundo a SHEIN, sem comprometer a qualidade do material final. O objetivo é produzir 3 mil toneladas de poliéster reciclado por ano, a partir já de junho deste ano. No entanto, numa análise mais atenta e não embandeirando em arco a bandeira da circularidade têxtil, levantam-se muitas questões fundamentais: esta iniciativa será uma mudança real ou mais um exemplo de greenwashing?
É importante reconhecer que reciclar poliéster, especialmente através de processos químicos, está longe de ser a solução ideal para os problemas de sustentabilidade do setor têxtil. Embora tecnologicamente avançada, este método é um consumidor intensivo em energia e emite quantidades significativas de gases de efeito estufa. Na realidade julgo que esta ilusão ainda estará longe de ser solução. Além disso, mesmo reciclado, o poliéster continuará a libertar microplásticos durante o uso e a lavagem, continuando a contribuir para a contaminação ambiental e colocando em risco a saúde humana. Diria até, um dos maiores flagelos neste momento.
Não me surpreende que a SHEIN queira investir na reciclagem de têxteis em poliéster. É de longe a fibra mais utilizada nos artigos que vende e garantir que se pode controlar a qualidade e a quantidade do fornecimento de matérias-primas críticas, querendo demonstrar como uma prática empresarial responsável. Por outro lado, o volume anunciado é irrisório face à escala de produção da Shein, que utiliza centenas de milhares de toneladas de poliéster anualmente. A produção prevista de 3.000 toneladas por ano representa uma gota no oceano do seu modelo de negócio baseado na superprodução e no consumo descartável.
O poliéster reciclado de têxtil para têxtil pode tornar-se uma matéria prima critica já em 2028, quando a UE, um dos principais mercados finais da Shein, deverá introduzir uma quota obrigatória de conteúdo reciclado para todos os produtos de vestuário vendidos no mercado europeu. Caso este requisito regulamentar especifique que o material deve ser reciclado de têxtil para têxtil (atualmente muito debatido), surgirá outra questão relevante: saber se os resíduos pós-industriais e pós-consumo serão permitidos na quota de fibra reciclada. Isto porque toda a cadeia de fornecimento da Shein é feita exclusivamente na Ásia. Sinceramente, acho que a empresa não terá qualquer beneficio para utilizar resíduos pós-consumo europeus. Pelo que certamente poderão utilizar sobretudo resíduos industriais das fábricas dos seus próprios fornecedores. Mesmo assim, continuará a deixar montanhas de resíduos de produtos Shein não reciclados nos seus mercados finais ocidentais. O que o leitor talvez não saiba, mas atualmente, o poliéster reciclado no vestuário provém quase exclusivamente de garrafas PET recicladas. Este é um detalhe importante, pois mostra como a circularidade ainda está distante de ser alcançada no setor têxtil.
O anúncio de reciclagem de poliéster não resolve os problemas estruturais da empresa: a exploração de mão de obra, a falta de transparência na cadeia de fornecimento e a quantidade massiva de resíduos que gera e emissões que emite. É neste momento, a marca de roupa mais poluidora do mundo. É tudo uma forma de mascarar com inovação um modelo de negócio insustentável. Aliás, misturar resíduos têxteis com garrafas PET parece mais uma estratégia conveniente para reduzir custos do que um compromisso sério com a circularidade. Pois, para mim, a pior ideia de circularidade têxtil até ao momento, foi misturar garrafas PET recicladas no vestuário, pois com a mistura com outras fibras quebra-se o ciclo de reciclagem de um material que se fosse utilizado em outras produtos poderia ser reciclado mais que uma vez. O que não acontece quando o inserimos no vestuário.
Sabemos bem que este tipo de iniciativa é utilizado para melhorar a imagem da empresa sem abordar as questões sistêmicas. É greenwashing em estado puro – apresentar uma solução parcial como se fosse uma revolução sustentável de ultimo grito, enquanto os problemas de fundo permanecem por resolver. Tudo fogo de vista!
Mas imaginem, por um momento, que tudo isto seria verdade e a Shein realmente fosse circular. Que reciclasse todos os seus resíduos! Com o seu tamanho e alcance, o impacto positivo seria colossal. A indústria têxtil seria transformada, o planeta e nós beneficiaríamos bastante. Eu sugiro-lhes começarem a reciclar a montanha de devoluções que têm de tratar e cujo paradeiro ninguém sabe. Parece-me um ótimo ponto de partida para mostrar que a reciclagem é levada a sério e não apenas uma nova história para ficar bem na fotografia… que está cada vez mais desfocada.
Até lá, continuaremos a questionar: quem é que a Shein quer enganar? Porque anunciar inovações sem compromisso real é como tentar limpar o oceano com uma colher de chá. Sustentabilidade não é publicidade; é mudança estrutural. E é isso que esperamos ver de verdade, um dia.


