Os adoçantes artificiais, antibióticos e medicamentos comuns estão a inundar rios e lagos, uma vez que as estações de tratamento de águas residuais não conseguem removê-los.
A ineficácia dos sistemas atuais levanta preocupações urgentes sobre a saúde humana, a vida selvagem e a proliferação de superbactérias. As Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), essenciais para a sociedade moderna, estão a revelar-se ineficazes na remoção de uma série crescente de poluentes emergentes. Investigações recentes demonstraram que os métodos convencionais, que utilizam processos mecânico-biológicos (CAS), falham em eliminar muitos produtos químicos de uso quotidiano, transformando as próprias ETAR em fontes de poluição para os cursos de água.
Ineficácia dos métodos convencionais e persistência dos poluente
O problema central reside no facto de que os sistemas de tratamento padrão nem sempre estão preparados para lidar com a natureza de certas substâncias.
Adoçantes artificiais: Substâncias amplamente utilizadas em refrigerantes, alimentos processados e produtos sem açúcar, como pastas de dentes, estão a aparecer em níveis crescentes nas ETAR e, subsequentemente, em rios e ecossistemas naturais.
Ao contrário dos açúcares naturais, os adoçantes artificiais são concebidos para resistir à digestão, passando pelo corpo humano praticamente inalterados e entrando nos sistemas de águas residuais.
Enquanto alguns adoçantes como a sacarina e o ciclamato são facilmente removidos, outros, como a sucralose e o acessulfame, são muito mais difíceis de eliminar e acabam libertados no ambiente.
O professor Qilin Wang sublinha que adoçantes como a sucralose são “incrivelmente persistentes”, significando que a sua estabilidade química lhes permite sobreviver a processos de tratamento convencionais e até mesmo avançados, chegando a rios, lagos e águas costeiras.
Essa persistência é comparável à de substâncias per- e polifluoroalquílicas (PFAS), os chamados “químicos eternos” que se acumulam no ambiente e na água potável.
Produtos farmacêuticos: Medicamentos comuns — incluindo antidepressivos, antibióticos e antialérgicos — estão a ser descarregados nos cursos de água.
O tratamento convencional revelou-se ineficaz na remoção de muitos fármacos, como o antidepressivo fluoxetina (Prozac), o analgésico diclofenac e o anticonvulsivante carbamazepina.
Em alguns casos, como com a fluoxetina, o diclofenac e a carbamazepina, os processos de tratamento podem até originar níveis mais elevados destes compostos na água descarregada do que na água residual original.
A emissão anual de produtos farmacêuticos para rios a partir de ETAR estudadas chegou a pelo menos 40 Mg, sendo o cetoprofeno, o sulfametoxazol, a carbamazepina e a fluoxetina os principais contribuintes.
Riscos para ecossistemas, vida selvagem e saúde humana
A libertação contínua destes poluentes representa sérios riscos ecológicos e de saúde pública.
Impacto na vida aquática: A presença de adoçantes artificiais apresenta riscos de toxicidade para animais aquáticos.
Em peixes-zebra, a sucralose provoca defeitos congénitos, e níveis elevados de sacarina revelam-se neurotóxicos.
Os produtos farmacêuticos também constituem risco para os organismos aquáticos. A fluoxetina e o antialérgico loratadina representam o maior risco ecológico devido à sua capacidade de perturbar a sinalização hormonal e o desenvolvimento nos níveis encontrados na água tratada.
Proliferação de superbactérias: Quando as pessoas tomam antibióticos, parte da dose é excretada e acaba nas águas residuais. Esta baixa concentração de antibióticos cria um ambiente propício à evolução de bactérias resistentes.
Liyuan “Joanna” Hou alertou que, sem um tratamento mais avançado, as águas residuais podem servir como um “viveiro de superbactérias”, que podem entrar em recursos hídricos (rios, lagos, albufeiras), representando riscos potenciais para a saúde pública.
Amostras de efluentes de ETAR revelaram estirpes de bactérias multirresistentes, incluindo algumas resistentes até a medicamentos de “último recurso”, como a colistina.
Embora algumas destas bactérias (como espécies de Microbacterium, Chryseobacterium, Lactococcus lactis e Psychrobacter) raramente sejam perigosas para a maioria das pessoas, elas podem atuar como reservatórios ambientais, transferindo genes de resistência para outras bactérias, incluindo patogénicas clinicamente relevantes, como a E. coli.
Deterioração da função das ETAR: Além dos contaminantes químicos e microbianos, as ETAR, que dependem de bactérias microscópicas para degradar poluentes, podem “adoecer” devido a ataques virais.
Quando os vírus infetam as comunidades bacterianas (o “lodo ativado”), podem romper as células hospedeiras, resultando na libertação de carbono orgânico dissolvido na água residual tratada.
Mais carbono orgânico no efluente significa mais consumo de oxigénio por microrganismos nos corpos de água recetores, o que pode ter impactos negativos nos ecossistemas aquáticos.
O desafio da adoção de novas tecnologias
Face à ineficácia dos métodos atuais, impõe-se um apelo a um monitorização contínua, regulamentação mais rigorosa e tecnologias de tratamento mais avançadas para mitigar os riscos ambientais.
Entre as alternativas estudadas destacam-se:
Compostos naturais: Cientistas testaram compostos naturais para combater bactérias multirresistentes em águas residuais.
Os mais eficazes foram a curcumina (derivada da cúrcuma) e a emodina (derivada do ruibarbo). Ambos se destacaram pela inibição do crescimento celular e da formação de biofilmes em bactérias resistentes Gram-positivas.
Desafio tecnológico: Embora a curcumina e a emodina revelem potencial, a investigação ainda se encontra numa fase inicial. O desafio é agora realizar mais estudos, incluindo testes em matrizes complexas de águas residuais e a avaliação dos impactos a longo prazo nas comunidades microbianas.
É considerado crítico passar da escala laboratorial para ensaios piloto que permitam avaliar a viabilidade e a segurança ambiental destes novos métodos.
Ajustes operacionais: No caso das ETAR afetadas por vírus, uma forma possível de influenciar a quantidade de vírus gerados e a consequente libertação de carbono orgânico poderá ser ajustar a forma de operação da estação.
A presença de carbono orgânico também afeta a eficiência dos processos de desinfeção e de remoção de produtos farmacêuticos.
Conclusão
A crise dos poluentes emergentes expõe uma falha crítica na infraestrutura hídrica global, exigindo não apenas a atenção das agências de proteção ambiental e das autoridades hídricas, mas também investimentos urgentes em inovação, a fim de proteger a saúde pública e o meio ambiente.
Referências:
Removal efficiency of pharmaceuticals during the wastewater treatment process: Emission and environmental risk assessment, PLOS One (2025). DOI: 10.1371/journal.pone.0331211.
From Wastewater to Resistance: Characterization of Multidrug-Resistant Bacteria and Assessment of Natural Antimicrobial Compounds, Frontiers in Microbiology (2025). DOI: 10.3389/fmicb.2025.1612534
Jibin Li et al, Artificial sweeteners in wastewater treatment plants: A systematic review of global occurrence, distribution, removal, and degradation pathways, Journal of Hazardous Materials (2025). DOI: 10.1016/j.jhazmat.2025.138644
Oskar Modin et al, A relationship between phages and organic carbon in wastewater treatment plant effluents, Water Research X (2022). DOI: 10.1016/j.wroa.2022.100146
Este artigo foi gentilmente cedido pelo EcoDebate.