De todas as perguntas feitas sobre o cosmos nos últimos milhares de anos, destaca-se se “o espaço é doce ou azedo?” publicada num estudo da Universidade do Mississipi, nos Estados Unidos. Astroquímicos estão a ajudar a descobrir a resposta, mas já se sabe que pode dar novas pistas sobre a origem da vida na Terra
Ryan Fortenberry, professor associado de química e bioquímica da Universidade do Mississipi, colaborou com Ralf Kaiser, da Universidade do Havai, em Mānoa, para estudar a criação de um ácido simples de açúcar em condições semelhantes às do espaço. Esta molécula, o ácido glicérico, é considerada um “bloco de construção” da vida. A revista Physics News publicou recentemente a sua investigação. “Esta é uma questão fundamental sobre a origem da vida”, disse Ryan Fortenberry. “De onde é que viemos? A descoberta desta molécula diz-nos como podemos passar da criação de átomos no núcleo das estrelas para biomoléculas complexas que nos permitem contemplar o próprio universo”.

O ácido glicérico é um dos ácidos de açúcar mais simples e desempenha um papel crucial no metabolismo dos organismos vivos na Terra. Embora os ácidos, como o vinagre, sejam normalmente azedos e os açúcares sejam doces, o ácido glicérico pode ser qualquer um deles, dependendo do seu estado, explica Ryan Fortenberry. Na sua opinião, independentemente do sabor da molécula, a sua formação preenche uma lacuna importante na nossa compreensão sobre a origem da vida. A lacuna está entre as moléculas pequenas — como as estudadas na química pré-biótica — o estudo das reações químicas que precederam a vida inteligente e que têm entre quatro e 14 átomos — e as moléculas grandes, que podem ter até 4 mil átomos.
“Dentro da astroquímica, há uma grande desconexão entre o que chamamos de química pré-biótica e a bioquímica”, argumenta, continuando: “o que sabemos da bioquímica é que, se conseguirmos produzir estas pequenas moléculas prebióticas, elas juntar-se-ão para formar grandes produtos bioquímicos.” É aí que entra o ácido glicérico, por ser um dos químicos intermédios — não é grande nem pequeno – provando desta forma que as moléculas prebióticas podem-se juntar para se tornarem bioquímicas.
“É como se as moléculas prebióticas fossem os paus, as folhas e as pinhas, e as moléculas bioquímicas fossem a árvore”, compara, interrogando: “Temos as peças. Então como as juntamos?”. O investigador continua a analogia. “Esta molécula é um ramo. Tem folhas. Tem paus. Tem pinhas. Não é uma árvore, mas é um ramo, por isso podemos juntá-los e fazer uma árvore.”
Compreender como o ácido glicérico se pode formar no espaço é uma das chaves para desvendar o mistério da origem da vida na Terra. Se o ácido glicérico se pode formar em nuvens de gás no espaço — por exemplo, em Sagittarius B2, uma grande nuvem no centro da galáxia da Terra — então as moléculas essenciais à vida podem ser mais comuns no espaço do que se pensava.

“O estudo sugere que moléculas como o ácido glicérico podem ter sido sintetizadas em nuvens moleculares e possivelmente em regiões de formação de estrelas antes de chegarem à Terra através de cometas ou meteoritos, contribuindo assim para os blocos de construção da vida”, disse Ralf Kaiser, indo mais longe: “compreender como estas moléculas se formam no espaço é crucial para desvendar os mistérios das origens da vida”. Isto pode significar que as condições de formação de vida na Terra podem não ser uma anomalia, mas sim mais prováveis do que se pensava anteriormente.
“Todos os átomos do nosso corpo que não são hidrogénio — todos os átomos do seu corpo, do meu, desta mesa, de todo o planeta — tudo o que não é hidrogénio, em algum momento dos últimos 13 mil milhões de anos, foi formado numa estrela”, afirma, continuando a sua teoria: “esses átomos transformaram-se em moléculas, e não sabemos exatamente como continua, mas transformaram-se em grandes moléculas. Estas formaram células, que formaram tecidos, e estes formaram órgãos, que produziram organismos. Esta molécula (ácido glicérico) é importante porque é um desses degraus da escada”.


