As diminuições obrigatórias nas emissões de sulfato das rotas marítimas internacionais em 2020 são parcialmente responsáveis pelas altas temperaturas recordes, descobriram os investigadores
As temperaturas do verão de 2023 registaram um aumento surpreendente a nível global, mesmo no contexto da tendência atual de aquecimento provocado pelos gases com efeito de estufa. O mesmo aconteceu em 2024. Muitos cientistas estão perplexos. As suas simulações não mostravam estes tipos de pico.
“Os cientistas do clima diziam que isto era impossível de acontecer, que era uma loucura ver um salto tão grande de uma só vez”, comentou Daniele Visioni, professor assistente do Departamento de Ciências da Terra e da Atmosfera da Universidade de Cornell. “Alterações climáticas estão a acelerar de repente. Nunca tínhamos visto nada assim”. Foram tentar encontrar a resposta. O artigo de Daniele Visioni, “Modeling 2020 Regulatory Changes in International Shipping Emissions Helps Explain Anomalous 2023 Warming”, publicado em 28 de novembro na Earth System Dynamics, vai ao fundo da questão e tem uma teoria.
As reduções obrigatórias nas emissões de sulfato das rotas marítimas internacionais em 2020 são parcialmente responsáveis pelas altas temperaturas recordes, descobriram os investigadores. A redução da quantidade de partículas de aerossol na atmosfera reduz a cobertura de nuvens; assim, a capacidade das nuvens de refletir a radiação solar para o espaço diminui. As conclusões do estudo sugerem que as futuras decisões políticas relativas a reduções abruptas dos aerossóis troposféricos devem ter em conta o seu impacto na temperatura da superfície.
Investigações anteriores indicavam que essa mudança levaria a um ligeiro aumento da temperatura global devido a uma redução da formação de nuvens, mas Visioni e a coautora Ilaria Quaglia, investigadora de pós-doutoramento na Escola Sibley de Engenharia Mecânica e Aeroespacial (Cornell Engineering), utilizaram simulações de modelos do sistema terrestre para provar a importância da queda súbita das emissões de sulfatos dos navios.
Essas mudanças no setor de transporte marítimo foram discutidas durante anos, disse Visioni, com a Organização Marítima Internacional (IMO) tomando uma decisão em 2014 para começar a impor emissões mais rigorosas de sulfato até 2020. Os combustíveis com menor teor de enxofre são muito mais caros, por isso levou algum tempo para a indústria se ajustar.
O regulamento exigia que os navios utilizassem combustível com um teor de enxofre não superior a 0,5%, em comparação com o limite anterior de 3,5%. Esta redução levou a uma diminuição de mais de 80% no total de emissões de óxido de enxofre do transporte marítimo. E embora se tenha falado um pouco deste compromisso no setor dos transportes marítimos, disse, houve poucas tentativas de chamar a atenção para o efeito potencial.
“Não houve nenhuma tentativa de dizer que deveríamos ter todos os olhos no corredor de transporte marítimo”, disse Daniele Visioni. “Em retrospetiva, teria sido ótimo estudar isso há quatro anos, antes de o problema se manifestar”.
Os investigadores de Cornell analisaram as anomalias mensais da temperatura global durante o período 2020-23, removendo a suposta contribuição linear dos gases de efeito estufa e da sazonalidade, para determinar o impacto da indústria naval nas anomalias de temperatura. Descobriram que a remoção do dióxido de enxofre do combustível do transporte marítimo provavelmente aumentou a temperatura do planeta em 0,08 graus Celsius.
“O calor sem precedentes transformou-se num ano quente, uma vez contabilizado esse facto”, disse Daniele Visioni. Quantificar a quantidade de aerossóis poluentes que refletem o calor para o espaço de forma a provocar um aumento visível da temperatura da Terra não é, segundo a investigadora, uma sugestão de que os esforços de redução da poluição devam ser reduzidos.
“A melhoria da qualidade do ar é imediata e toda a gente vai sempre optar por isso. A lição a tirar é que estamos sempre a tomar decisões sobre compromissos”, afirmou. “Estamos a reduzir a poluição atmosférica mais do que o previsto há 10 anos, pelo que é necessário um debate muito mais aberto. Isto significa que a urgência da redução das emissões é ainda maior”.
O setor do transporte marítimo, tal como muitas outras indústrias, tem vindo a optar por combustíveis alternativos para cumprir os objectivos de descarbonização da OMI, e o metanol, o hidrogénio, o amoníaco, os sistemas de propulsão assistidos pelo vento e outras tecnologias estão a ganhar força.
“Precisamos de ser mais enérgicos na redução das emissões”, afirmou Daniele Visioni. “Temos de colmatar uma lacuna. Mas devemos trabalhar para evitar o aquecimento do planeta através de outros meios. A iluminação das nuvens, as intervenções climáticas de geoengenharia — não vão reduzir as emissões, mas são procedimentos de que poderemos vir a precisar para evitar um maior aquecimento”.
O estudo foi financiado pelo Cornell Atkinson Center for Sustainability com um 2030 Fast Grant.