O projeto para a requalificação da Avenida Almirante Reis apresentado pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) aumenta significativamente a capacidade rodoviária daquele eixo: entre o Martim Moniz e a Alameda, o projeto aumenta em 50% a capacidade do espaço rodoviário, passando de duas para três vias.
Em contrapartida, o espaço para os peões não se altera significativamente (continuando indigno para os fluxos pedonais existentes e expectáveis) e o espaço alocado à bicicleta é reduzido, propondo-se uma ciclovia ziguezagueante, sem as dimensões mínimas regulamentares, integrada no passeio, que rasa imensos obstáculos e anuncia graves conflitos entre peões e bicicletas. Também os conflitos entre peões e automóveis são agravados, já que o perfil proposto obriga os peões a atravessar 3 vias de uma assentada e convida a maiores velocidades.
É com perplexidade que vemos a CML insistir nestes erros, tantas vezes repetidos com péssimos resultados. E é lamentável que a CML contrarie o Manual de Espaço Público de Lisboa, aprovado em Assembleia Municipal, e, pior, que o faça num dos eixos com maior volume de peões e bicicletas da cidade e num contexto onde a procura só tende a aumentar.
Merecem também referência as soluções desadequadas propostas para a Praça do Chile, para a Alameda, e para o troço entre a Alameda e o Areeiro, todas caracterizadas por perfis rodoviários excessivos, que potenciam atravessamentos pedonais perigosos, passeios de largura insuficiente e infraestruturas para bicicletas estreitas e inseguras.
Além de estar em contracorrente com as melhores práticas europeias, o projeto contraria as conclusões do processo participativo que a própria CML promoveu. Neste, a grande maioria dos cerca de 2.500 participantes considerou que existe excesso de tráfego automóvel na Avenida e pretende que nesta se privilegie a acessibilidade pedonal, bicicleta e transporte público. Para que servem os processos participativos se se desrespeita de forma tão evidente e reiterada os seus resultados?
Este projeto denota a ausência de uma visão para a cidade e nenhuma intenção de proteger a Baixa Pombalina do tráfego automóvel. Deixa ainda sem resposta alguns dos principais problemas que urge resolver.
● Lisboa destaca-se como uma das capitais europeias com mais atropelamentos mortais e que menos aposta na segurança para os utilizadores de bicicletas, potenciando-se o agravamento destas condições.
● A qualidade do ar em Lisboa é motivo de preocupação, num contexto em que a poluição do ar é um problema de saúde pública grave, contribuindo para cerca de 6.000 mortes prematuras por ano em Portugal. Entre os grupos mais vulneráveis estão crianças, idosos e pessoas com doenças respiratórias.
● Lisboa surge em penúltimo lugar no ranking europeu de mobilidade urbana infantil da Clean Cities Campaign, quando se sabe que ruas adaptadas às crianças se traduzem em mais atividade física, em melhor qualidade do ar e da saúde respiratória, na redução dos acidentes rodoviários e na valorização e humanização do espaço público para todos.
Por tudo isto, é incompreensível que o projeto atribua às pessoas em bicicleta e a pé ainda menos espaço do que já têm, colocando-as em disputa, ao mesmo tempo que se recusa a reduzir o tráfego automóvel na Baixa, que deveria transformar-se numa Zona de Zero Emissões (ZZE) e com tráfego motorizado reduzido.
Apesar de apresentar pontos fortes, que não pretendemos desvalorizar, o projeto parte da vontade política de reforçar a primazia ao automóvel, o que o torna estruturalmente errado. Quando se discute um investimento superior a 21,5 milhões de euros (!) que determinará a utilização de Almirante Reis nos próximos 50 anos, importa perguntar: que cidade queremos?
Assim, e num tempo eleitoral de intenso debate de ideias sobre o futuro de Lisboa, apelamos a que se repense todo este eixo, assim como a Av. da Liberdade (ambos com valores de poluentes muito acima dos recomendados pela Organização Mundial de Saúde), integrando a proteção da Baixa num Plano de Mobilidade para a cidade que tarda ver a luz do dia. Precisamos, com urgência, de uma cidade que dê prioridade às pessoas, aos modos ativos e ao transporte público.
Subscritores:
MUBI
ZERO
Caracol POP – Associação
Moradores de Arroios
Estrada Viva
APSI
ACA-M