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Sabia que a soja tem memória?

Pode parecer estranho, mas sim — a soja tem memória. Não guarda datas de aniversário, mas consegue “lembrar-se” de tempos difíceis, como a seca ou o ataque de insectos, e preparar os seus descendentes para enfrentarem desafios semelhantes. Investigadores da Estação Experimental Agrícola do Arkansas, nos EUA, demonstraram que estas memórias de stress podem ser passadas de geração em geração, mesmo sem alterar o ADN das plantas.

Memória vegetal…

Este fenómeno chama-se plasticidade transgeracional, e embora o nome pareça saído de um manual técnico, a ideia é simples: experiências vividas pelos pais influenciam o comportamento dos filhos. No caso da soja, isso significa que plantas que sobreviveram à seca ou a dentadas de lagarta tendem a ter descendentes mais preparados para resistir a essas mesmas situações.

Tudo isto acontece através da epigenética — um mecanismo que regula como a planta “lê” o seu ADN. Não há mutações permanentes, apenas ajustes temporários, como quem muda a receita de um bolo com base na última fornada que correu mal.

Filhos mais fortes, mas com custo

As plantas-filhas de progenitores “stressados” mostram melhorias em vários aspetos: sementes com mais proteína e nitrogénio, mais flores e uma densidade maior de tricomas — pequenas estruturas semelhantes a pêlos que ajudam a afastar insectos. Uma espécie de armadura vegetal em miniatura.

Mas como quase tudo na vida, há um preço. Estas plantas tendem a crescer menos e a produzir menos vagens — e, em alguns casos, vagens vazias. Em resumo, tornam-se mais resistentes, mas menos produtivas. Um equilíbrio delicado entre proteção e eficiência.

Além disso, algumas dessas defesas parecem ter prazo de validade. Por exemplo, os tais tricomas vão diminuindo à medida que a planta envelhece — sinal de que nem todas as memórias são para sempre.

Quando a ordem dos acontecimentos importa

Neste novo estudo intulado Transgenerational Imprints of Sequential Herbivory on Soybean Physiology and Fitness Traits e publicado na Wiley, a equipa liderada pelo professor Rupesh Kariyat quis perceber também o impacto da ordem dos ataques de insectos. E os resultados foram curiosos: quando a lagarta da soja atacava primeiro, as plantas-filhas tinham mais proteína, mais flores e melhor desempenho do que quando a primeira a atacar era a lagarta do exército.

Kariyat, que detém a Cátedra Clyde H. Sites em Fisiologia Internacional de Cultivos, observa que as mudanças climáticas já estão a piorar as ameaças de insetos.

“Os insetos estão a ficar maiores e passando por várias gerações a cada ano”, disse ele. “Isso leva ao aumento do uso de pesticidas, o que não é sustentável.” Melhorar a resiliência da soja por meio da memória ao stress pode reduzir a dependência de pesticidas, com benefícios ecológicos e económicos significativos.

Lagartas com paladar exigente

Num dos testes mais originais, os investigadores ligaram plantas previamente sujeitas à seca a plantas bem regadas através de pequenas pontes e observaram o comportamento das lagartas. O resultado? Muitas hesitaram, cheiraram e até voltaram atrás, escolhendo as plantas que sempre tiveram água. Ficou claro que até os insectos preferem refeições bem hidratadas.

Este comportamento reforça a chamada “hipótese do vigor vegetal”, que sugere que pragas escolhem, sempre que possível, plantas mais saudáveis — como quem escolhe fruta madura no supermercado.

E na prática, o que se pode fazer?

Como uma vacina pode criar imunidade, técnicas como “preparação” e “endurecimento” nos estágios vegetativos iniciais podem permitir que as plantas resistam a contratempos futuros com redução mínima no rendimento, de acordo com Rupesh Kariyat, professor associado de entomologia de culturas no departamento de entomologia e patologia vegetal da Divisão de Agricultura e do Dale Bumpers College of Agricultural, Food and Life Sciences.

“Isso nos dá a oportunidade de manipular o grau de stress da soja para reforçar as defesas no início da safra sem comprometer o rendimento final da cultura”, explica Kariyat. “Mas há um porém: ainda precisamos quantificar o limiar de stress por seca e herbivoria que pode causar mais danos do que benefícios às plantas.”

Enquanto os agricultores americanos normalmente compram sementes frescas anualmente, no Brasil e no Quénia, muitos agricultores dependem de sementes armazenadas para evitar o alto custo das variedades comerciais. Nesses sistemas, as características transmitidas das plantas-mãe para os descendentes tornam-se especialmente relevantes.

A aplicação prática deste estudo pode ser bastante relevante, sobretudo em regiões onde os agricultores reutilizam sementes. Com técnicas como o priming — expor as plantas a níveis controlados de stress — pode ser possível “treinar” a soja para resistir melhor a desafios futuros.

Mas há um aviso importante: demasiado stress pode fazer mais mal do que bem. Tal como numa preparação física, há uma linha ténue entre treino eficaz e lesão. Saber onde está esse limite será essencial para tirar proveito desta “memória vegetal” sem comprometer a produtividade.

A soja talvez não tenha sentimentos, mas tem uma forma de “lembrar-se” dos tempos difíceis — e de preparar os filhos para que sofram menos. Compreender e aplicar este conhecimento poderá tornar a agricultura mais eficiente, sustentável e resiliente perante um futuro incerto. Só é preciso cuidado para não stressar demasiado as plantas… ou os agricultores.

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