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Teresa Cotrim

Os Celtas organizavam a sociedade em torno das mulheres: herdavam terras e lideravam comunidades

Um estudo inovador encontra provas de que a terra era herdada através da linha feminina na Grã-Bretanha da Idade do Ferro, com os maridos a mudarem-se para viver com a comunidade da sua mulher. Acredita-se que esta seja a primeira vez que um sistema deste género é documentado na Europa pré-histórica

Corria o ano da idade do ferro, quando os romanos, neste caso Júlio César e o imperador Vespasiano ficaram surpreendidos quando chegaram á Grã-Bertanha e encontraram mulheres no poder. Durante as suas guerras de conquista — a grande invasão ocorreu em 43 d.C, tiveram mesmo de lutar com Cartimandua, última rainha dos Brigantes, ou sofrer derrotas às mãos de Boudica, líder dos Iceni. O próprio César escreve nos seus comentários sobre a Guerra da Gália acerca da sua surpresa das mulheres da ilha poderem ter vários maridos.

Agora a revista Nature publica novas pesquisas baseadas em DNA de 2 mil anos recuperado em cemitérios celtas. E, apesar de os escritos de gregos e romanos nem sempre serem os mais fiáveis, a verdade é que desta vez parece não estarem a exagerar quando afirmaram que as tribos da atual Inglaterra estavam organizadas em torno das mulheres.

Esta conclusão pode ser tirada após uma equipa internacional de geneticistas, liderada pelo Trinity College de Dublin, ter unido forças com arqueólogos da Universidade de Bournemouth para decifrar a estrutura da sociedade britânica da Idade do Ferro, encontrando provas do poder político e social das mulheres.  Os investigadores aproveitaram uma rara oportunidade para sequenciar o ADN de muitos membros de uma única comunidade. Reconstruiram uma árvore genealógica com muitos ramos diferentes. Recolheram mais de 50 genomas antigos de um conjunto de cemitérios em Dorset, no sul de Inglaterra, utilizados antes e depois da conquista romana de 43 d.C. Descobriram que esta comunidade estava centrada em laços de descendência feminina.  

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Escavação de um enterro de durotrigas da Idade do Ferro tardia em Winterborne-Kingston-c-Bournemouth-University

“Era o cemitério de um grande grupo de parentes. Reconstruímos uma árvore genealógica com muitos ramos diferentes e descobrimos que a maioria dos membros remontava a sua linhagem materna a uma única mulher, solteira que teria vivido séculos antes. Em contrapartida, as relações através da linha paterna eram quase inexistentes”, conta Lara Cassidy, Professora Assistente do Departamento de Genética da Trinity. Para a investigadora, esta descoberta significa que os maridos se deslocavam para se juntarem às comunidades das suas mulheres após o casamento, com terras potencialmente transmitidas através da linha feminina. “É a primeira vez que este tipo de sistema é documentado na pré-história europeia e que prevê a emancipação social e política das mulheres. Algo relativamente raro nas sociedades modernas, mas pode não ter sido sempre assim”. Para antropólogos e etnólogos, uma comunidade com esta estrutura é definida como “matrilocal”, ou seja, nos casais que se formam, a mulher pertence ao grupo, ao clã familiar, enquanto o homem vem de fora.

Por incrível que pareça, a equipa descobriu que este tipo de organização social, a “matrilocalidade”, não se restringia apenas a Dorset. Analisaram os dados de inquéritos genéticos anteriores sobre a Idade do Ferro na Grã-Bretanha e, embora o número de amostras de outros cemitérios fosse menor, verificaram que o mesmo padrão surgia repetidamente. Porém, não se pode descartar a hipótese de muitos homens terem morrido nas batalhas, mortos pelas próprias invasões romanas e por esse motivo haverem mais mulheres do que homens nos cemitérios.  

Dan Bradley, Professor de Genética Populacional no Departamento de Genética da Trinity e coautor do estudo, acrescentou: “Em toda a Grã-Bretanha, vimos cemitérios onde a maioria dos indivíduos descendia maternalmente de um pequeno conjunto de antepassados do sexo feminino. Em Yorkshire, por exemplo, uma matriline dominante tinha sido estabelecida antes de 400 AC. Para nossa surpresa, este era um fenómeno generalizado com raízes profundas na ilha”.

Os cemitérios da Idade do Ferro com enterramentos bem preservados são raros na Grã-Bretanha. Dorset é uma exceção, devido aos costumes funerários únicos dos povos que aí viviam, designados pelos romanos como os “Durotriges”. Os investigadores recolheram amostras de ADN de um local perto da aldeia de Winterborne Kingston, apelidado de “Duropolis”, que os arqueólogos da Universidade de Bournemouth têm estado a escavar desde 2009. Anteriormente, a equipa tinha observado que os enterros Durotrigan mais ricamente mobilados eram os de mulheres.

O antropólogo Martin Smith, especialista em ossos, acrescentou: “Estes resultados dão-nos uma forma totalmente nova de olhar para os enterramentos. Em vez de vermos simplesmente um conjunto de esqueletos, vemos aspetos ocultos da vida e da identidade destas pessoas, como mães, maridos, filhas, etc. Vemos também que etinham um conhecimento profundo da sua própria ascendência — os casamentos múltiplos entre ramos distantes desta família ocorriam e eram possivelmente favorecidos, mas evitava-se a consanguinidade.”

Fazendo eco dos escritos de Júlio César, os investigadores descobriram ainda uma pegada de migração da Idade do Ferro para a costa sul de Inglaterra, que não tinha sido encontrada em estudos genéticos anteriores. Este fato vai alimentar ainda mais os debates em torno da chegada da língua celta à Grã-Bretanha.  Cassidy explicou: “A migração para a Grã-Bretanha durante o final da Idade do Bronze foi detetada anteriormente, levando alguns a colocar a hipótese desta ter chegado durante este período. Mas os nossos resultados apontam para uma mobilidade substancial através do canal também durante a Idade do Ferro. Será difícil limitar o tempo de chegada do celta. De fato, é bem possível que as línguas celtas tenham sido introduzidas na Grã-Bretanha em mais do que uma ocasião.”

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