Um novo estudo da Universidade de Richmond mostra que o aumento do número de ratos, a nível mundial, está relacionado com o aquecimento climático, densidade populacional e urbanização
Estes pequenos roedores podem deixar as cidades “à beira de um ataque de nervos”. Adoram viver junto dos humanos e são extremamente inteligentes. Este é um problema que remonta à Antiguidade. Pelo menos há 10 mil anos, com o início da agricultura. Há investigadores que dizem que os gatos só passaram a viver dentro de casa porque eram excelentes predadores de ratos. Sim, porque apanhar, um rato não é tarefa fácil. Evitam armadilhas, conseguem identificar um alimento envenenado e têm um sentido de orientação incrível, mudando de rota com muita facilidade. Depois reproduzem-se quase à velocidade da luz, metaforicamente, claro! Sabia que uma rata fêmea pode ter 15 indivíduos por ninhada? Mas as notícias são piores: segundo um estudo publicado esta semana na Science Advances, o aumento da temperatura está a ajudar a proliferar esta “praga”.
Jonathan Richardson, professor de bilogia da Universidade de Richmond e a equipa de investigação analisaram dados de queixas públicas e de inspecções de 16 cidades ao redor do mundo, tendo encontrado uma forte ligação entre o aumento do número de ratos e três aspetos fundamentais do ambiente urbano: densidade populacional, urbanização e aumento das temperaturas.
As principais conclusões do estudo são: 11 das 16 cidades (69%) apresentaram tendências significativas de aumento do número de ratos. Washington aparece no topo da lista, seguido de Nova Iorque e Amesterdão. A tendência crescente de relatos de ratos em Washington fois três vezes maior do que a de Boston e 50% maior do que a de Nova Iorque, diz o estudo. Apenas Tóquio, Nova Orleães e Louisville tiveram um declínio. As cidades com maiores aumentos de temperatura — devido à queima de petróleo, carvão e gás natural, também registaram um maior número de ratos nas estatísticas, assim como as cidades com populações mais densas e maior urbanização. “Todos estes fatores criam desafios para os municípios e para os profissionais de gestão de pragas que trabalham para controlar as populações de ratos, uma vez que têm de incorporar estes fatores nas suas estratégias de gestão”, diz em comunicado Jonathan Richardson.
“A mais preocupante destas ligações é a que acontece entre o aquecimento climático e as tendências de aumento dos ratos, uma vez que as temperaturas globais estão fora do controlo das cidades individuais”. E explica porquê: o clima mais quente pode estar a expandir os períodos de atividade sazonal destes roedores, permitindo-lhes permanecer ativos durante mais tempo no inverno e começar a procurar recursos alimentares acima do solo mais cedo na primavera.

“Uma ou duas semanas a mais de atividade à superfície podem traduzir-se em mais um ou dois ciclos de reprodução, acelerando o crescimento da população de ratos”, explica Jonathan Richardson. Agora imagine, como uma rata fêmea pode ter uma ninhada por mês, se tiver 15 ratinhos… é uma receita tipo “fermento” que fará a população crescer. “Quem trabalha na gestão de populações de ratos terá de ter em conta este crescimento acelerado devido ao clima no seu planeamento de combate a esta praga.”
Perante este cenário. O estudo dá ainda outra má notícia: o aquecimento climático de longo prazo ocorre em grande parte do planeta. “O aquecimento está projetado para ser mais intenso nas cidades, onde o efeito de ilha de calor urbana já produz temperaturas mais altas do que nas áreas rurais vizinhas. Os modelos climáticos projetam que as temperaturas urbanas aumentarão de 1,9° a 4,4°C até o ano 2100 com base em previsões de emissões de gases de efeito estufa. Além disso, esse aquecimento não está a acontecer uniformemente em todo o globo. As áreas urbanas do norte da América do Norte, sul e centro da Europa e Oriente Médio estão projetadas para ter aumentos mais rápidos na temperatura , e isso pode levar as cidades nessas regiões a experimentarem diferentes tendências no número de ratos ao longo do tempo, bem como os conflitos humanos-ratos associados”.
Quais as consequências?
Os ratos do gênero Rattus estão entre as espécies de pragas mais onipresentes e importantes. Duas espécies ( Rattus norvegicus e Rattus rattus ) têm distribuições quase globais, estando presentes em todos os continentes, exceto na Antártida. Os ratos danificam as infraestruturas, roem fios, madeira, tijolos e até alumínio. A nível humano alimentam-se de tudo o que é comestível, leia-se adoram sentar-se à mesa com os humanos, e apesar de adorarem queijo, na verdade comem tudo o que aparece e o pior é que contaminam alimentos, causando cerca de 27 mil milhões de dólares de prejuízos a cada ano. Somente nos Estados Unidos Os ratos também transmitem mais de 50 patógenos zoonóticos e parasitas para as pessoas, afetando a saúde pública em todo o mundo. Aliás, é um grave problema de saúde pública.

A peste negra (ou peste bubónica) é uma das doenças bem conhecidas que chegou à Europa através de ratos que vinham nos navios. Em Lisboa, devido a terem morto os gatos no tempo da inquisição, ficámos sem estes exímios caçadores para os combater. Esta é transmitida por picada de pulgas que vivem em ratos infetados. Outra das doenças é a leptospirose — geralmente encontrada na sua urina contamina os humanos através da água, ou objetos contaminados, depois há ainda a síndrome pulmonar por hantavírus— inalados por partículas virais presentes nas fezes, urina ou saliva, o tifo — transmitido pelas pulgas, A salmonelose, transmitida por alimentos contaminados com fezes de rato e a febre de mordedura de rato — que tal como o nome indica ocorre após uma mordida ou aranhão feito por um rato.
E a melhor armadilha é…
O estudo aponta como o melhor caminho identificar as tendências a longo prazo do número de ratos e a forma como são moldadas pelas alterações ambientais é fundamental para compreender a sua ecologia e projetar futuras vulnerabilidades e necessidades de atenuação. Em termos de possíveis soluções, o estudo deixa claro que as cidades precisam de: investir mais recursos (orçamento e pessoal) no problema. Desenvolver planos proativos de gestão de roedores que dêem prioridade a tornar o ambiente urbano menos propício para os ratos (por exemplo, removendo o acesso a resíduos alimentares, e começar a recolher dados sistemáticos sobre a atividade e abundância destes animais, em vez de se basear em dados de queixas do público.
Para o cientista, os ratos urbanos são pragas invasivas notórias que prosperam nas cidades explorando os recursos. “Só confrontando os fatores ambientais que permitem que os ratos se desenvolvam e dando aos gestores municipais de roedores os recursos e ferramentas de que necessitam é que podemos esperar controlar este problema”, aconselha.
Mutações tornam ratos domésticos em Portugal mais resistentes a raticidas
Os ratos domésticos estão a ficar mais resistentes aos venenos, devido a mutações que foram detetadas em várias regiões de Portugal, o que pode levar à ineficácia do controlo de roedores. O alerta faz parte do estudo “Resistência a rodenticidas anticoagulantes desafia esforços do controlo de pragas em Portugal”, da autoria de Ana Santos, licenciada em Biologia e mestre em Biologia Evolutiva e do Desenvolvimento.
Estudante de doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Ana Santos está a desenvolver a tese centrada nas dificuldades de controlo de pragas de ratazanas e ratinhos domésticos devido à resistência aos biocidas utilizados.
Em declarações à Agência Lusa Ana Santos explicou que as mutações são normais e espontâneas nos animais, mas acrescentou que “são pequenas alterações que não mudam a função normal das proteínas mas que podem alterar alguns mecanismos, neste caso a resistência aos compostos” que são os rodenticidas anticoagulantes, os venenos para ratos.
Assim, quando é usado o veneno para controlar pragas, há ratos que vão resistir, e quanto mais se usar o composto mais a população se torna resistente, porque vão sobreviver os ratos que têm as mutações e morrer os que as não têm, num mecanismo idêntico ao dos antibióticos e das bactérias resistentes.
Ana Santos disse à Lusa que estas mutações genéticas já eram conhecidas mas não tinham ainda sido estudadas em Portugal.
“Não sabíamos se os ratinhos tinham as mutações”, salientou, explicando que os estudos mostraram por exemplo que em algumas ilhas dos Açores todos os animais estudados já eram resistentes aos rodenticidas anticoagulantes, enquanto na ilha de S. Miguel, das 40 amostras estudadas só cinco tinham a mutação que lhes conferia a resistência.
A especialista considera que os resultados podem ser preocupantes, porque a percentagem de indivíduos resistentes é muito elevada, e defende que se faça um mapeamento do país e com base nele escolher o rodenticida em função da existência ou não de resistências.
A investigadora sublinha que devem ser utilizadas outras técnicas para controlar roedores, como a gestão das fontes de comida ou a manutenção de infraestruturas, com ações como tapar buracos em paredes.
O estudo alerta que deve ser tido em conta também que a elevada libertação de biocidas no meio ambiente aumenta o risco de contaminação ambiental associada ao envenenamento involuntário de animais não alvo.
No estudo a investigadora é muito precisa, explicando que determinados rodenticidas anticoagulantes não são aconselhados para populações de ratinhos domésticos portadoras de mutações específicas. Tecnicamente, escreve Ana Santos, o coumatetralil, a bromadiolona e o difenacum não devem ser usados nos ratos portadores das mutações Vkorc1spr, Y139C ou L128S.
Independentemente dos nomes técnicos, a especialista frisa que o desconhecimento acerca das variantes genéticas presentes nas populações de ratinhos domésticos pode levar à ineficácia no controlo de roedores com consequentes danos económicos e/ou sanitários.
Esta parte do texto sobre Portugal é da LUSA.


